quarta-feira, dezembro 24, 2003

O Natal (2)


O post anterior sobre o Natal foi demasiado sério e olvidou algo de fundamental nesta época: As crianças. Porque grande parte das movimentações à volta desta época são em muito a elas destinadas, como a árvore de natal, as prendas, festas com montes de doces e, acima de tudo, o Pai Natal.

Considero a actual utilização do Pai Natal como o maior atestado de imbecilidade que se passa às crianças, e não é por a figura ter sido vestida pela Coca Cola. Também não é pelo conceito em si, que pela sua aura mística terá alguma piada. Alguns pais, que deixaram de acreditar em que quer que seja, querem que os seus filhos acreditem ao menos por uns tempos no Pai Natal. Mas a forma como se quer que as crianças engulam a estória deixa-me perplexo. Por um lado, tenta-se manter o mito e não deixar que as crianças percam a ilusão. Mas ao mesmo tempo dão-se mil e uma pistas que mostram claramente que é tudo mentira, porque se parte do princípio que as crianças são demasiado estúpidas para perceber.

Recentemente estive numa festa de Natal para crianças da escola primária, que terminava com a entrega de presentes por 2 Pai Natal. Várias vezes a apresentadora perguntava se eles queriam que o Pai Natal viesse entregar os presentes, e eles entusiasticamente gritavam “sim” em coro. Mas quererá isto dizer que aquelas crianças acreditavam que o Pai Natal em pessoa estaria mesmo ali? O que eles sabiam é que estaria alguém vestido de vermelho e de barbas brancas a distribuir os presentes que os pais deles e dos outros tinham comprado. Bastante mais impressionante foi quando a apresentadora, num momento morto, perguntou se eles sabiam cantar alguma canção, e sugeriu “As meninas da ribeira do Sado”. Imediatamente, aquelas centenas de criança começaram a cantar a canção que tão bem conhecem, com as suas vozes agudas, com um entusiasmo incomparavelmente superior ao mostrado pelo suposto Pai Natal.

Porque será que a maior parte dos adultos acha que as crianças são incapazes de ter raciocínios lógicos e tirar as suas conclusões? Aposto que muitos fingem acreditar no Pai Natal por recearem que, se não fizerem, não ganharão prendas. E as muito pobres certamente não terão espaço nas suas vidas para estas ilusões. Talvez os adultos pensem assim porque eles próprios são incapazes de verdadeiros raciocínios, limitando-se a reagir de forma pré-programada ao que se lhe depara.

Lembro-me de nunca ter acreditado a sério no Pai Natal. Queria que fosse verdade, era uma ideia espantosa e estimulante, mas por mais que pensasse não conseguia ver como era possível uma pessoa distribuir prendas para todas as crianças do mundo numa só noite. E depois, onde levaria ela aquelas prendas todas, se tinha apenas umas renas e uma saco pequeno? As crianças pensam e continuarão a fazê-lo se forem encorajadas. Mas se forem tratadas como mentecaptas, com uma total ausência de capacidades, que futuro lhes estamos a proporcionar? Mais um post sério…




(ver mais)

terça-feira, dezembro 23, 2003

O Natal


Nesta quadra festiva há duas reacções predominantes. Uma delas é a versão beata da coisa, que prega ser esta uma época em que os homens se unem e as diferenças se esbatem, dos votos de paz no mundo e extermínio da pobreza, do reconciliar espiritual, do exacerbar dos valores da família e da solidariedade. Outra é a versão crítica, que fala do consumismo desenfreado, da deturpação do objectivo central no Natal, da hipocrisia de apenas se falar de certas coisas nesta altura, etc. No entanto, pelo que me é dado a entender, as duas versões terão sempre coexistir, já que a primeira leva à segunda.

Existem muitas razões para ainda comemorarmos o nascimento de Cristo 2000 anos após sucedido, mais coisa menos coisa. Um dos pontos centrais da paixão de Cristo (é curioso ver que em alguns locais se fala de Cristo e de Jesus como figuras distintas…), é o seu sacrifício para expiar os pecados da humanidade. Esta bonita ideia ficou extremamente marcada na vida ocidental. A partir daqui, o mundo cristão passou a ver a salvação apenas como sendo possível através de algo exterior. Passou também a dar valor ao heroísmo, em que nos sacrificamos pelos outros. O resultado é que as pessoas deixaram de ter como opção moralmente viável fazerem algo por si próprias, já que isso é considerado incorrecto.

Não há dúvida que são belas ideias, mas conduziram-nos a um destino exactamente oposto do que era almejado. O homem que trabalha e vive apenas para o exterior, desprezando a vida interior, nunca chega a se conhecer a si mesmo. É ensinado a desprezar as suas necessidades, ou então a procurar a sua satisfação a partir de algo exterior – em Deus, na pessoa amada, nos amigos, nos bens materiais. Na realidade, nada exterior à pessoa pode resolver as suas necessidades mais essenciais, porque só o próprio indivíduo pode resolver o dilema essencial da sua vida, que é diferente de pessoa para pessoa.

O consumidor desenfreado, que este ano terá de ser um pouco mais comedido, talvez não cumpra aquilo que o Natal pretendia. No entanto, foi a ideia central do Natal que o levou a ser o que ele é. Cristo devia odiar o Natal…




(ver mais)

quinta-feira, dezembro 18, 2003

O que se passa com os portugueses?


Ando seriamente preocupado com a saúde mental e emocional dos portugueses. Entre muitas coisas, chama-me a atenção de forma premente a forma como se conduz, cada vez mais desastrada e perigosa. O que me deixa realmente estupefacto é a ânsia em se colar ao automóvel da frente, que acontece cada vez mais.

Umas semanas atrás conduzia em Espanha, e pude constatar que os nossos vizinhos são bastante mais civilizados ao volante (não foi em Madrid). Por uma única vez, um cabrão de um espanhol colou-se a uns 2 metros atrás de mim. Achei aquela atitude de extrema rudeza e agressividade. Mas olhando para a matrícula reparei que era portuguesa… Há menos dias passava pelo IC 19 (felizmente não o utilizo diariamente), e à minha frente, na faixa ao lado, seguiam 4 automóveis juntinhos e a alta velocidade, parecendo um bando de lunáticos em competição. Será que eles acham que chegam mais depressa ao seu destino assim?

Esta forma de conduzir deixa-me perplexo. Não posso crer que o fazem por ignorância, pois saberão que se algo acontecer é acidente grave na certa. Serão carências afectivas que os levam a procurar a proximidade de outros? Serão tendências suicidas/homicidas? Será um jogo de crime e castigo, relembrando disparates feitos quando eram crianças, severamente punidos pelos pais e que agora, estranhamente, sentem saudades (falta das palmadas dos pais)? Não sei.

Ao mesmo tempo, vejo a construção de novos edifícios na margem sul do IC19 (próximo do hospital Amadora-Sintra), até então uma zona despida de betão. Num país onde já existem habitações para cerca de 30 milhões de pessoas, está-se a ver a relevância da coisa. Até é fácil de perceber, para quem passa horas nas filas do IC 19, certamente ver novas construções mais próximas de Lisboa dará algum alento. É uma fuga para a frente.

Mais à frente ainda, quase a entrar na 2ª circular, um aglomerado de prédios a fugir de vista, e também de uma feiosidade extrema. Diariamente, filas intermináveis. Nos fins de semana, essas mesmas pessoas que supostamente estariam fartas de bichas, metem-se em outras nos centros comerciais, auto-estradas, acessos a praias. Parece que já não conseguem viver sem estarem em fila, como se fossem peças de matéria na linha de montagem.

Não era minha intenção estar sempre com posts negativos e críticos. Mas o que vejo não me deixa indiferente. Os portugueses comportam-se cada vez mais de forma infantil e disparatada. Sente-se no ar a ansiedade pela recuperação económica, mas apenas para que possam voltar a endividar-se em compras supérfluas e sem utilidade, como se isso conseguisse colmatar as debilidades emocionais. Por outro lado, os portugueses falam mal de tudo, e cada vez com menos humor, mas são incapazes de criticar seriamente o que quer que seja. Em especial, a auto-crítica pura e simplesmente não existe – não sabemos o que somos. Numa recente sondagem, mais de 90% dos inquiridos acharam que os portugueses conduziam mal. No entanto, quase todos se afirmavam bons condutores…

É pouco animador saber que o país não tem qualquer rumo e, pior que isso, não quer ter um. Estamos viciados numa depressão politicamente correcta, que ninguém quer admitir. A letra do hino terá que ser mudada porque é muita hipocrisia ainda cantarmos a “Nação Valente”.



(ver mais)

quarta-feira, dezembro 17, 2003

Graffiti – Um modo de vida


Como jovem rude do campo que fui (agora já não sou muito jovem), os meus contactos com o graffiti ocorreram através do cinema, em finais da década de 80 do século passado. Com a ingenuidade da época, via aquelas pinturas murais como uma realidade distante, em que misturavam várias coisas contraditórias, como a marginalidade, desprezo pelas autoridades, mas também talento e criatividade.

Mais tarde, quando vim estudar para Lisboa, deparei-me com alguns graffitis ocasionais em algumas paredes da cidade, o que me faziam, por momentos, transportar para aqueles cenários dos bairros degradados norte-americanos que relembrava dos filmes. Recordo particularmente da demolição de um prédio, que escondia por trás um graffitti antigo e que era uma autêntica obra de arte, surpreendente e cativante.

E hei-nos chegados ao tempo actual. A dúvida é se ainda há graffitis ou apenas vandalismo mural (e de comboios e edifícios) sem sentido e sem qualquer valor estético. A feiosidade dos actuais graffitis, que quase não passam de um aglomerado de letras garrafais que nos fazem desviar o olhar, é aparentemente um sinal da sociedade actual. Serão os graffitis um sinal de desespero de jovens que vivem em bairros degradados, sem esperança e sem rumo, com dificuldades de integração e tudo o mais? Talvez sim, em parte, mas...

Há uns meses atrás, caminhando pelas ruas de Lisboa ao fim da tarde , não muito longe da Praça de Espanha, deparei com dois “graffiters”. Surpresa, não eram jovens com ar de marginais, nem de descendência africana. Não, eram dois miúdos de 15 ou 16 anos, autênticos betinhos, com todo o ar de quem os pais os vão pôr à escola de Mercedes ou BMW. Magros, olhar mortiço, coluna torta e boca semi-aberta – o modelo do filho do novo-rico. Ainda tive a tentação de dar um par de chapadas a cada um, para os ver se os acordava daquela modorra (e para eles deixarem de fazer os pseudo-graffitis), mas pensei que ainda podia ser processado pelos papás, que devem ter dinheiro suficiente para contratar bons advogados ou então ter influências na comunicação social. Que pena já não haver espancamentos públicos...




(ver mais)

domingo, dezembro 14, 2003

A resolução dos problemas do mundo


Mote:

If a tree falls and the media aren’t there, has it really fallen?

Daniel Chandler


Era extremamente fácil enquadrar o trabalho jornalístico num post dedicado aos Profissionais do Ódio. Por isso, não o fiz.

Para os que têm memória de elefante, certamente que ainda se lembram vagamente dos acontecimentos que nos últimos tempos mais tinta fizeram correr nos jornais e que mais minutos ocuparam nas televisões. Para não ir muito atrás, temos umas torres que caíram em Nova York (esta é difícil esquecer porque regularmente no-la recordam umas piadas de bom gosto que circulam pela Internet), a guerra no Afeganistão, depois as lutas geopolíticas sem vencedores e a guerra no Iraque, cá por perto o Prestige que manchou terrivelmente as costa da Galiza e o oceano, novamente o Iraque, novamente por cá ardeu uma parte considerável do país, uns ministros demitiram-se, e também como pano de fundo o pseudo-escândalo da Casa Pia, que vai e vêm. Como última notícia, a captura de Saddam Hussein.

Estas notícias apresentam-se como sóis, que fazem esquecer todas as outras e umas às outras. Nada mais parece ter importância, mesmo que saibamos que é relevante, mas não nos estimula falar. Vê-se isto em TVs, jornais e em muitos blogs. Com isto, me interrogo se os grandes problemas do mundo estarão resolvidos, como a Sida em África, a poluição, desflorestação e extinção de espécies, a fome, a sobre população, os regimes brutais que subjugam ainda muitos países, etc. Talvez não estejam, mas que importância tem isso?

Vivemos numa cultura em que a sociedade só aceita a existência de um problema se ele for falado em grande escala, o que implica que tenha que ter grande repercussão nos media. Como tal, a morte de 1 milhão de pessoas no Ruanda em apenas 100 dias não foi problemática, porque quase não se falou do assunto, que agora está completamente esquecido. Qualquer escândalo de uma vedeta isenta de talento ganha maior relevância. Mas a lógica das coisas não nos permite acusar só a comunicação social, porque ninguém quer ver as primeiras páginas ou a abertura dos telejornais com questões passadas. Queremos a novidade, algo que não sabemos ainda, o inesperado – é humano. Mas a nossa humanidade faz com que 1 morto de hoje tenha mais importância que 10 de ontem, 100 da semana passada ou 1 milhão de há 50 anos atrás.

Esta hierarquia do que é importante daria que pensar, se para aí estivéssemos virados. Central é o papel da comunicação social. Mas não basta apenas pensar no poder de influência dos media, que não sofre qualquer controle, nem da veracidade das noticias ou do ocultação de outras. Há que ir mais atrás, às bases, questionar para que serve e averiguar das suas limitações e perigos. Não tenho respostas definitivas para isso, mas há alguns pontos que são importantes pensar. Actualmente, a dominância da informação, a sua extrema simplificação, acaba por ser o maior inimigo do conhecimento, que exige outro rigor, paciência e inteligência. O próprio conhecimento acaba com frequência por se tornar numa mera masturbação intelectual, que inibe qualquer florescimento de sabedoria. A pirâmide de informação, conhecimento e sabedoria encontra-se invertida. A base já não é a sabedoria, mas sim a informação. Sendo assim, porque não dar alguma sabedoria à informação?

Se ter uma imprensa livre é um bem essencial, os seus principais intervenientes deveriam assumir responsabilidades especiais. O jornalista devia voltar à humildade, saber relativizar, lembrar o público do passado, comparar, fazer história. Não é fácil, mas quem tem valor e inteligência consegue sempre cativar, sem usar expedientes baixos. A alternativa actual consiste em tratar o público como uma audiência de mentecaptos.

Mas que digo eu? Ainda não aprendi que os grandes problemas do mundo só se resolvem se não os enfrentarmos?




(ver mais)

quarta-feira, dezembro 10, 2003

Profissionais do Ódio (2)


É com muita facilidade que se criticam épocas e costumes passados, fazendo muitas vezes comparação com o nosso tempo. Esquecemo-nos quase sempre que também nós seremos postos à prova, e muitos dos nossos modos serão classificados, no futuro, como ridículos, bárbaros e imbecis. Será esta uma fatalidade da humanidade, em que a evolução constante das sociedades irá sempre condenar o passado? Estou em crer que não. A ideia de progresso social e tecnológico pode ser bela, mas acaba muitas vezes por consistir numa fuga colectiva. A fuga de nós próprios. Porque o progresso social e tecnológico só têm sentido se apoiados no progresso individual. Caso contrário, o indivíduo sente-se perdido e esmagado pelo mundo que se transforma “à sua volta”.

Em relação ao progresso social, a política é o campo que mais destaque lhe dá, pelo menos em palavras. Diferentes e por vezes antagónicas concepções de sociedade, prometem-nos um mundo melhor. Mas as promessas de progresso escondem concepções que, elas próprias, muito pouco progrediram. As ideias que nos “vendem” não são muito diferentes daquelas que eram vendidas à décadas ou séculos atrás. A preponderância que ainda se dá à distinção entre esquerda e direita, conceitos que não se baseiam em nada de universal, revela a falta de criatividade, adaptação e mesmo coragem de fazer diferente. As evoluções que se dão são mais concessões à realidade. Mas que realidade? Aquela do mais estúpido e egoísta. Acontece um paradoxo. Por um lado, cada vez mais se criticam os políticos, mesmo pelas mínimas faltas. Por outro, passou a aceitar-se a actuação política que temos como normal e sem alternativa.

Os governos são especiais alvos de crítica fácil. Qualquer decisão que se tome, mesmo a mais básica, tem vantagens e desvantagens. Um governo em consciência tomará as decisões que forem mais urgentes, que tenham mais vantagens que desvantagens e ainda que possam ser um bom compromisso entre os objectivos a curto e a longo prazo. Se decidir bem já é difícil, implementar as decisões ainda mais difícil se torna quando se têm estruturas pesadas e avessas à mudança. É um campo particularmente fértil para os Profissionais do Ódio, que podem explorar sempre qualquer desvantagem.

A actuação política que temos consiste em termos uma oposição, seja de direita ou esquerda, que apenas tenta ser obstrução. E para mostrarem força, utilizam o ódio. É certo que os ódios do PSD, PS e CDS são fingidos, ao contrário dos apresentados pelo PCP e BE, mas os efeitos não são muito diferentes. O principal resultado é que o cidadão deixa de ver a política como um instrumento de realizar coisas mas apenas um campo de batalha, em que apenas interessa derrotar os adversários, seja a que preço for. Temos que admitir que, para quem tem convicções, esta luta é muito estimulante, com toda a troca de insultos, notícias de jornais verdadeiras ou falsas, manifestações, greves, boicotes, inaugurações, discursos, jantares de apoio, comícios, campanhas eleitorais.

É muito fácil criticar os políticos, eles até se colocam a jeito para isso. Mas olhemos para nós e interroguemo-mos se não somos as bestas que carregam este fardo? Porque não queremos um governo que seja corajoso, que tome medidas de fundo, que pense a longo prazo. O que queremos são obras de fachada, inaugurações, dinheiro fácil. E da oposição não queremos alternativas, ideias, cooperação crítica mas construtiva. Queremos apenas ódio, jogos de palavras, demagogia. Tal como os romanos que se juntavam no coliseu para assistir a lutas sangrentas, também nós gostamos de assistir a lutas políticas, menos sangrentos mas talvez ainda menos civilizadas.




(ver mais)

terça-feira, dezembro 09, 2003

Profissionais do Ódio (1)


O amor é a fonte da vida, o que dá sentido às nossas existências. Escritores, poetas, realizadores, artistas inspiram-se no amor para criar as suas obras mais belas. O comum dos mortais pode fazer o acto mais heróico por amor. O amor é a esperança e também a salvação. É o que de mais precioso temos… ou não? Pensando melhor, o ódio é muito mais importante e abundante.

Os ódios, nas suas muitas variações que suponho existirem, são umas das fontes que mais energia dão às pessoas. Pode não haver paciência, vontade ou tempo para estar com família, amigos, companheiros, amantes mas há sempre tempo para dedicar aos inimigos. Amor e ódio não são necessariamente as duas faces da mesma moeda, já que podem existir um sem o outro. Mas, por vezes, grandes ódios só são possíveis na presença de grandes amores.
Um dos poucos locais onde ainda se pode encontrar amor sincero é no mundo do futebol (de certo não seria no casamento…) É certo que é difícil ver este amor nas televisões e jornais, apenas virados para a desgraça. É necessário acompanhar um adepto sincero ao estádio num dia de jogo (tenho um post previsto sobre este assunto). O que se assiste com muita facilidade é a manifestação de ódio contra outros clubes e respectivos dirigentes, técnicos, jogadores e adeptos. Para quem está de fora, ficará com a ideia que alguém é adepto de um clube apenas para ter pretexto para odiar todos os outros, em especial os grandes rivais.

Mas será isto uma inevitabilidade, um defeito do futebol e dos portugueses que conduz a este estado deplorável? Em parte, acredito que sim, mas há culpados a quem se pode apontar o dedo. Indo contra o que é norma neste blog, irei “fulanizar” já que é impossível escrever sobre este assunto sem mencionar um nome: Jorge Nuno Pinto da Costa (PC), presidente do Futebol Clube do Porto (FCP). Muitas vezes diz-se que falar das pessoas, mesmo que mal, só lhes dá importância. Mas não irei utilizar o insulto fácil.

PC é um autêntico Profissional do Ódio, com um estilo muito próprio e inconfundível. Acima de tudo, foi bastante eficaz na sua actuação, que tem, no entanto, duas vertentes. A primeira vertente é reconhecida por todos, a de ter dado ao FCP as vitórias desportivas e a supremacia no futebol nacional. Poder-se-á ir pelo caminho fácil e tentar desvalorizar os sucessos desportivos do FCP, alegando terem sido mais fruto de demérito de adversários ou de arbitragens tendenciosas. Mas como benfiquista que sou, não me custa reconhecer que as vitórias do FCP foram fruto de muitas circunstâncias, mas acima de tudo foram devidas ao mérito e nisso PC foi uma peça preponderante.

Mas a actuação de PC tem uma vertente bastante mais negra. PC utilizou em permanência a vitimização, os ataques pessoais, a desvalorização dos adversários e se, possível, a sua humilhação. Começou por fazê-lo com um humor de Chico Esperto, irónico, que muitos desvalorizaram e acharam não ir dar frutos. Mas persistentemente, PC nunca desistiu, e com as primeiras vitórias a comunicação social deixou de o tratar como um bronco e passou a tratá-lo como um iluminado. Actualmente, PC é a única pessoa a quem os jornalistas mostram um servilismo total, sem nunca o contradizer ou fazendo perguntas difíceis. E quando o entrevistam pessoalmente quase apresentam temor, como se estivessem presentes frente a um ditador irascível de poderes ilimitados.

Estas duas actuações de PC confundem-se muitas vezes, porque PC humilha os adversários para os poder vencer, mas também os vence para os poder humilhar. E isto os adeptos do FCP parecem não entender. Não percebem que a animosidade que existe contra o FCP não se deve a inveja pelas vitórias deste clube, que apenas afectam os espíritos fracos. O que repugna ao verdadeiro adepto é ver o seu clube desvalorizado, fruto de chacota e mentiras.

A actuação de PC baseia-se muito na transmissão. PC sabe que as suas palavras de ódio refinado não morrem, irão ser repetidas, recriadas, motivo de conversas de café e locais de trabalho. Os jornalistas dão-lhe projecção e mesmo muitos que não gostam de futebol lhe dão crédito. Mas PC criou um estilo que consegue sobreviver sem ele. O país encheu-se de Pintinhos da Costa, seus clones mentais, engraçadinhos de ironia idiota e sempre visando a humilhação dos adversários. A actuação de PC e do seu esquema de propaganda é tão eficaz que mesmo benfiquistas e sportinguistas se deixam levar por ele, e começam a criticar os seus clubes de forma puramente destrutiva e desmoralizadora. Ao mesmo tempo, o FCP fecha-se como se fosse um clube de bairro e isola-se das pressões exteriores. As bocas que fazem ao FCP de controlarem os árbitros só dão força ao grupo, que vê em qualquer pequena crítica uma justificação para as suas pretensões a vítimas ou mártires, reforçando assim o espírito de grupo.

Mas o estilo de PC tem as suas desvantagens. O ódio necessita sempre dos adversários e mesmo com todas as vitórias que possam ter, o FCP passou a viver em função dos seus rivais e da comparação constante que faz com eles. Este espírito medíocre prejudica todos os clubes, que aos poucos deixam de ser locais de amor para passarem a ser locais de ódio. As inaugurações dos novos estádios foram sintomáticas. Em Lisboa, benfiquistas e sportinguistas fizeram as festas, com as habituais provocações, as críticas ao maior ou menor destaque dado a um ou a outro, mas sempre na civilidade de quem convive diariamente ao lado do inimigo. A inauguração do Estádio do Dragão, um nome infantil (imaginem o que não se diria se em Lisboa se tivessem inaugurado o Estádio da Águia e o Estádio do Leão), ocorreu em clima constante de competição. Aos adeptos do FCP parecia não bastar terem um estágio novo e bonito (?), a toda a hora falavam do Benfica. Para quê? Quando inaugurou a nova Luz não me lembrei uma única vez dos adversários.

Mais grave que as polémicas do futebol, são os efeitos que transbordaram para o exterior. O futebol conseguiu criar a guerra entre o norte e o sul, entre Lisboa e o Porto. Talvez essa guerra tivesse que existir algum dia, uma vez que as diferenças entre o norte e o sul são muito grandes. Não é agradável dizer isto, mas num país em que os Profissionais do Ódio dão cartas, o que nos separa passa a ter muito mais relevância do que aquilo que nos une.




(ver mais)

sexta-feira, dezembro 05, 2003

O último post?


Parto hoje para Espanha, com mais dois companheiros, para uma Sesshin. Serão dois dias e meio sentados de pernas cruzadas e coluna direita, olhar frente à parede, enfrentando aquilo que realmente sou. Vai ser duro e sem recompensa. Apesar disso, tenho que ir, mesmo que não saiba dizer porquê.

Depois disto, irá o blog continuar? Talvez sim, mas diferente. Talvez na mesma. Mas que importância tem isso?





(ver mais)

quinta-feira, dezembro 04, 2003

Que faço a tanta cultura?


Vagas de estudantes universitários invadem a sociedade. A percentagem em relação a outros países ainda é baixa, mas mesmo assim já se assemelham a pequenos cogumelos que crescem numa terra que lhes é estranha, ficando por vezes encandeados por um sol de que não estavam à espera. Universidade, pouco universal de preferência, dar-me-ás riquezas ou apenas cultura? E o que faço com a cultura? Chateio as pessoas, perco amigos, afugento namoradas?

Muitos estudantes universitários odeiam a cultura. Tentam rapidamente esquecer tudo o que aprenderam, falam mal dos professores e interrogam-se, sem querer saber a resposta, para que serviu aprenderem aquilo? Com o passar dos anos, amadurecem, alguns começam a interessar-se por coisas que odiavam e choram tempos perdidos e mal aproveitados. Quando dão por si, sentem-se mais cultos, importantes e imponentes. Mas tanta cultura para quê? Como nunca procuraram nada, também nunca tiveram um projecto pessoal a sério. Não têm rumo e agora não utilizam a sua cultura criativamente.

Mas usam-na ainda assim. Usam-na contra aqueles que nunca tiveram possibilidades de lhe aceder, justificando assim a arrogância ou paternalismo que demonstram sobre eles. Usam-na contra outros como eles mas que não dominam os mesmos assuntos. Usam-na contra si próprios, ao elaborarem um complexa cascata de ilusões. O que lhes deu a cultura? Nada, porque ninguém dá algo a alguém, a não ser a oportunidade.





(ver mais)

quarta-feira, dezembro 03, 2003

Metabloguismo (2)


AGORA JÁ FAÇO PARTE DO GRUPO DOS PODEROSOS?
Esta deve ver a pergunta, inconfessa, que muitos fazem depois de criarem um blog. Será que as minhas preciosas opiniões irão deixar o anonimato e agora influenciar o rumo da blogosfera e, quem sabe, ecoar ainda mais alto? É esta a sensação que fico ao ler vários blogs que opinam sobre as últimas. É certo que muitos opinam com qualidade, escrevendo com inteligência e conhecimento de causa, sendo uns autênticos servidores públicos.

Mas o que se generaliza é a propagação de posts previsíveis, em que o blogger mostra uma ânsia em mostrar serviço. Muitos parecem fazer isto apenas para receber afecto de outros, esperando a retribuição dos que têm os mesmos ódios em comum. Para isso, é muitas vezes usado humor, onde se ridicularizam os adversários, tentando substituir a realidade pela caricatura e tornar esta como o novo ponto de partida. Aliás, já foi notado que um dos grandes problemas da "Sociedade da Informação" reside nos que a divulgam tomarem com frequência os seus desejos pela realidade.

A blogosfera também parece ter motivado os mais ideológicos. As roupagens são diferentes das do passado, mas existem vários blogs assumidamente de esquerda e de direita que se tornaram referências, para além de mais uma parafernália outras tendências. No entanto, acho que os realmente ideológicos são raros. A maioria tenta-se colar ao rótulo que lhe está mais próximo (medo da solidão?), mas aparentam uma certa fragilidade e falta de convicção. Os ideológicos a sério parecem incansáveis, sem dúvidas e determinados. Seja lá como for, fico com a sensação que a guerra civil já esteve mais longe.

Nós bloggers, mostramos muitas vezes uma ânsia de poder. Queremos influenciar, controlar. Mas é bom lembrar que o verdadeiro poder não reside em controlar os outros mas a si mesmo. Ninguém sabe ainda qual será o peso da blogosfera no desenrolar da vida política e social do país. Talvez um post, só por si, nunca originará a demissão de um ministro ou a eleição de um deputado. Mas mais interessante que estes acontecimento pontuais seria uma mudança mais profunda a nível social. Talvez daqui a alguns anos se possa dizer que antes dos blogs fazia-se assim, agora evoluímos graças ao trabalho lento e invisível dos bloggers, que fizeram evoluir mentalidades, acabar com certos hábitos e começar outros. Essa mudança nada de extraordinário tem, porque mudar é a essência das coisas. Resta saber se queremos receber essa mudança com relutância, tentando evitá-la ou então sermos nós aqueles que provocam a mudança. Ou então, antecipamos a mudança, sem nos preocuparmos muito com ela.





(ver mais)