quarta-feira, outubro 27, 2004

Um aniversário especial

O meu blog de eleição faz um ano. Foi precisamente há um ano atrás, numa segunda-feira, que por volta das 7:59 pm (não sei se hora real), o kafkiano nascia. Um blog que se deve ler com atenção, não como se faz com outros, onde temos pressa de nos retirar para passar a outro. O kafkiano tem de ser lido por forma a saborear as imagens que a sua autora nos desvenda. Contos aparentemente estranhos, que nos desvendam um pouco de nós mesmos. A conquista do ser pela recriação da contemplação interior. E mais não digo, para não envergonhar a autora com as minhas toscas palavras.




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segunda-feira, outubro 25, 2004

Evegeny Kissin na Gulbenkian

Devemos comentar um evento musical/social quando não temos capacidades para fazer nenhuma das duas coisas? Não sei, mas é o que vou fazer. Evegeny Kissin é um ainda jovem pianista russo, talvez o que actualmente mais entusiasme o público conhecedor. Na passada quinta-feira foi acompanhado pela orquestra Gulbenkian na interpretação dos 3 primeiros concertos para piano e orquestra de Beethoven.

Mas não nos iludamos, os concertos de Beethoven não servem para fazer brilhar o solista, acima de tudo, o espectro de Beethoven nunca deixa de lá estar. Compostos no chamado segundo período do compositor, na plenitude das suas capacidades, revelam que Beethoven foi provavelmente o mais atormentado dos génios. Surgem imagens de belas paisagens campestres em harmonia, que num repente são rompidas pela mais negra tempestade. Interpretar Beethoven pode não fazer o solista brilhar como acontece com outros compositores, mas necessita sem dúvida de um intérprete brilhante (neste caso o pianista e o maestro).

Não tenho eu conhecimento suficiente para interpretar dos méritos da interpretação, nos pormenores mais refinados. Mas posso falar um pouco das sensações vivenciadas. Ao fim de alguns segundos, com a abertura do primeiro concerto pela orquestra, dei por mim numa imobilidade total, como se o mínimo gesto meu causasse um perturbação tremenda. Não hesito em dizer que foi uma experiência quase religiosa. As palmas no final do terceiro andamento desconcentraram-me e juntando isso ao dia de trabalho antecedente, a minha atenção para o segundo concerto foi menor, mas ainda assim de bom nível. O certo é que no intervalo pensava eu que tinha passado cerca de uma hora quando já tinha passado hora e meia. Um erro de 50% quando costumo ter muito boa percepção da passagem do tempo significa que algo de especial se passou que me levou a estar alheado de coisas menores. Mas o intervalo foi regenerador e no regresso para o terceiro concerto voltei àquela experiência quase mística. Notei também que o terceiro concerto já tinha um cariz diferenciador dos restantes, em que as lutas entre o piano e orquestra eram menores.

Mas tratou-se também de um acontecimento social. Não que estivessem lá os media cor de rosa, mas certamente lá estavam as pessoas de “dinheiro” da região de Lisboa. Público aparentemente já conhecedor, onde ninguém se atreve a bater palmas no intervalo entre andamentos, substituídos pela torrente de tossidelas contidas durante minutos (o que revela alguma falta de descontração/atenção). Constou-me que alguns parolos fizeram fila para apertar a mão a Marcelo Rebelo de Sousa. Será que estas pessoas iriam ver concertos se fosse apenas pela música?

Fiquei desolado por não ter podido assistir à segunda parte, para completar a integral dos concertos, no sábado, mas os bilhetes já estavam esgotados. Seja como for, tenho de passar a ir a mais acontecimentos musicais do género.




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quarta-feira, outubro 20, 2004

Imbecilidades Públicas

Consta que o actual executivo de Pedro Santana Lopes (PSL) tem um plano para dominar a comunicação social. Quererá isto dizer que finalmente alguém vai fazer frente ao Bloco de Esquerda? Na rádio ouço Nicolau Santos, personagem de ar simpático, bem conhecida do Expresso, ridicularizar o desmentido da sesta de Pedro Santana Lopes. É curioso que o Expresso tenha achado importante divulgar que PSL dormiu a sesta, mas acha ridículo desmentir tal notícia. É preferível manter a mentira?

Nicolau Santos avança com um poema divertido de Drumond de Andrade, que tenta por em ridículo a cabala delineada por Rui Gomes da Silva. Essa cabala envolvia, presumivelmente, o Expresso, o Público e Marcelo Rebelo de Sousa. José Manuel Fernandes, director do Público, reage e quase chama fascista ao governo, mas também dando a entender que a actual conjugação de forças nos media é demasiado potente para ser derrubada por este governo de latão (palavras minhas).

Mas não só há vozes contra o governo. Luís Andrade, director da RTP, defende Morais Sarmento. O ministro não quer mandar nos conteúdos, não quer dar recados aos jornalistas, quer apenas fazer o que se faz em qualquer parte do mundo, dar algumas orientações programáticas, como a de impor que haja ficção nacional. E continua com um exemplo óptimo, que é o de se nada for feito continua a pouca vergonha de mostrarem desenhos animados japoneses às crianças cheios de violência e sexo. Que este senhor desconheça por completo a cultura japonesa ainda se percebe, uma vez que vivemos num país de ignorantes, mas ele nem faz um esforço para perceber a própria cultura ocidental. Se o fizesse saberia que os contos de fadas, que alguns psicólogos consideram das coisas mais valiosas para a construção da personalidade da criança, estão cheios de sexo e violência.

Mas a questão de fundo qual será? Estaremos a assistir a uma luta entre uma imprensa livre e um governo censor? Para isso ser verdade era preciso termos uma imprensa livre, mas o que existe mais não é que propaganda barata. Propaganda do ódio sobretudo, caótica, pouco construtiva. Se bem que os media possam ser pontualmente influenciados por vários grupos de pressão (partidos, sindicatos, associações, grupos empresariais, etc.), notam-se apenas duas constantes: procurar o que é pequeno, mesquinho, ridículo, bater em quem está por baixo, e depois não tocar nas vacas sagradas (Presidente da República, Mário Soares, Bloco de Esquerda, Bombeiros, Sindicatos, Sociedades Secretas, etc.)

Por isso não me espanta que o governo queira alterar isto e colocar algumas rosas a seu favor onde só se encontrariam espinhos antes. Rui Gomes da Silva (RGS) começou por avançar com umas “declarações infelizes”, mas que agora se começam a se perceber como uma declaração de “guerra fria mediática”. Provavelmente RGS foi escolhido como o sacrificado, aquele que vai levar com o maior impacto reactivo, mas mais membros do governo parecem avançar com uma aparente ausência de estratégia. Não me parece que o governo queira criar uma censura, mas apenas ter vozes suas aqui e ali que contrabalancem a constante crítica.
Será esta actuação do governo legítima? Pode parecer politicamente incorrecto, mas direi que se não for ilegal, é tão legítima como a actual actuação dos media. Claro que fazer isso à custa dos meus impostos é chocante, mas vivemos num pais em que gastar mal o dinheiro dos contribuintes é um hábito que todos gostam de praticar. Não está em causa substituir a verdade pela mentira mas umas mentiras por outras. Podemos lhes chamar direito ao contraditório ou o que seja. No fundo, nada de anormal me parece ocorrer. Todos os governos gostam que falem bem deles, e os jornais odeiam perder poder. Será por isso que eu agora até deixei de ver manchetes dos jornais?




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segunda-feira, outubro 18, 2004

Os duros

É raro os acontecimentos da vida saírem-nos de feição. Nos melhores momentos, há sempre um pequeno pormenor que parece estragar a perfeição. Mas quando as coisas correm mal, também não costuma ocorrer o sentimento de catástrofe que faz com que tudo seja repensado. Por isso, às vezes é bom ter a noção que se cometem tremendas injustiças, que a opinião pública em geral tem uma opinião (sobre as mais variadas matérias) completamente equivocada e que indirectamente provoca a miséria e morte a muitas pessoas.

Acontece que uma das formas de nos “livramos das injustiças” é encontrar os culpados e começar a acreditar que existe uma solução milagrosa, como o fazem algumas ideologias. É juntar mais lenha à fogueira e passamos também a ser parte e causa do problema. O que é bom nisto tudo é que podemos finalmente chegar à conclusão que pouco há a fazer, que nunca a nossa acção será preponderante e que catástrofe alguma conseguiremos evitar, quanto muito poderemos fazer algo para a apressar. Mas isto é bom porquê? Porque podemos assim tomar a decisão de deixarmos as pretensões exteriores e passar às interiores.
Isso não significa abandonar o mundo e procurar uma ermida para nos purificarmos. Significa apenas que devemos deixar o caminho da imposição, da ocultação, da mentira a nós mesmos. Respeitar finalmente a liberdade dos outros, mesmo que nos custe. Dar importância às acções mais básicas, aos gestos, aos sons, às cores, sabores. No fundo, é termos consciência que nenhum de nós é diferente do drogado em recuperação, que terá de aprender a viver um dia de cada vez. Consciência que a dura caminhada será mais fácil se formos ainda mais duros que ela.




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quarta-feira, outubro 13, 2004

Futebol de contrastes


A selecção portuguesa é de facto notável. Apenas alguns dias depois de consentir um empate sofrido com a selecção de um dos mais pequenos países do mundo, alcança uma vitória fácil e retumbante face à selecção do maior país do mundo.



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domingo, outubro 10, 2004

Frases irritantes

Isso é uma fase, vais ver que passa..

Na tua idade também era assim…

Não desistas, há-de aparecer alguém especial…

Melhores dias virão…

Vou-te dar um conselho…

Isso não é nada, se soubesses o que me aconteceu...

Olha, e vou-te dizer mais…

Estamos sempre a aprender…

Estás muito nervosa.

Acredita que há quem esteja bem pior que tu.

Tu mereces alguém que goste verdadeiramente de ti, alguém melhor do que eu.


Nota: Como o holoscan apaga os comentários ao fim de algum tempo (sacanas), acrescentei as 3 últimas frases “sugeridas” por http://kafkiano.blogspot.com/">Miss Kafka e http://ofaroldasartes.blogspot.com/">Pedro Farinha (a última).




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quarta-feira, outubro 06, 2004

Ignorância militante


Quase todos nós fazemos afirmações de presumível humildade. Sabemos pouco, isso é para os especialistas, nunca ouvi falar, é interessante mas não domino, pergunta a outro que eu sou uma nulidade... Contudo, esta aparente humildade contrasta com as frequentes e peremptórias observações que, depois, se vão fazendo sobre o assunto “ignorado”.

É um fenómeno estranho, que acontece a quase todos nós. Estamos cheios de opiniões sobre os mais diversos assuntos. Se em termos “públicos” o direito de cada um exprimir a sua opinião é um dos princípios (em relação à liberdade) mais básicos, em termos pessoais a expressão de opinião é frequentemente sinal de aprisionamento. Não é preciso recorrer à observação de pessoas com ideologias mais marcadas para reconhecer isto.

Os preconceitos são frequentemente reactivos. Por exemplo, se perguntarem a um português típico (isso existe?) qual deve ser o papel do estado, ele terá pouco para dizer, até porque ignora qual é o papel que actualmente tem. No entanto, se lhe falam que estão previstas alterações do funcionamento do estado, aí o nosso homem irá se insurgir fortemente contra elas, gritaqndo abundantes argumentos que anteriormente não lhes vislumbramos. Chamo a isto de Ignorância Militante (IM).

A IM é talvez das características que mais reconhecemos nos outros mas menos vemos em nós. A IM passa muito por bloquear qualquer tentativa de conhecimento e ficar agarrado a preconceitos que nos deram algum prazer no passado. Com o passar dos anos torna-se numa segunda natureza, que fica imune a qualquer tentativa de lógica. Mas a IM pode ter variantes bastante requintadas, nomeadamente na utilização misturada de argumentos objectivos e subjectivos (quando a lógica não funciona atacam-se as intenções).

Mas a IM não é apenas uma falta de ética com nós mesmos. Ela é bastante reforçada quando várias pessoas revelam a mesma IM em conjunto. Facilmente se transforma uma mentira em verdade, porque a irresponsabilidade partilhada nunca tirou o sono a ninguém. Rejeitar a IM pode ser mais duro do que parece. Primeiro que tudo pode ser difícil de reconhecê-la, porque já é tão natural em nós. Depois, rejeitar a IM pode significar ser rejeitado pelos “amigos”.

Certas pessoas que hoje se reconhecem como “estando à frente do seu tempo”, talvez tenham sido mal julgadas. Assume-se que teriam elas algo de especial que as distinguiam dos restantes, uma maior clarividência, um intelecto superior. Mas será assim? Não seriam essas pessoas tão capazes como muitos eram, mas que tiveram coragem de seguir um caminho solitário, enquanto outros se acobardaram nos seus preconceitos? Valoriza-se muito o talento (e às vezes o oposto), mas coragem e trabalho podem ser a chave para a diferença.



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