quinta-feira, dezembro 23, 2004

Razões para emigrar

Há certos momentos em que apetece emigrar. As razões são várias, como o previsível afundamento económico do país, quase certo nos próximos anos, ou notícias que em certas paragens as mulheres têm um pensamento mais liberal em termos de costumes, ou ainda por Portugal ser uma país sem sentido de humor.

Focar-me-ia neste último item. É impressionante como o humor de qualidade tem dificuldade em penetrar no nosso país. Numa estimativa tosca, diria que, se num país “civilizado” 10% compreendem uma piada inteligente, por cá essa percentagem não passará de 1%. É confrangedor ver em programas com público ao vivo, mesmo com audiências compostas por estudantes universitários, o riso só aparece nas coisas mais óbvias e boçais. Tudo o resto, por mais genial que seja, passa ao lado dos presentes.

Parece que somos um povo adormecido, independentemente do grau de instrução de cada um, só reagindo a determinados elementos pré-determinados. Uma anedota se não fizer referência a determinados grupos (louras, políticos, alentejanos, brasileiros, etc.) ou a determinadas situações (caserna, infidelidade, etc.) tem uma probabilidade quase nula de ser compreendida.

Mesmo hoje lia, no livro “A riqueza e a pobreza das nações” como os portugueses em poucas décadas passaram de um povo inovador e temerário, para um povo conformado e com medo de pensar, com a inquisição e o domínio da educação pela igreja. Em muitos domínios, ainda somos assim.

Não creio que tenhamos alguma falta de inteligência endémica. Se estimulados, conseguimos dar bastante mais do que se podia supor inicialmente. Isso explica o surgimento de algumas vagas de humor. Quando estimulados por alguns corajosos, os portugueses também sabem rir. Antes disso, fogem do humor, dizem logo à partida que não tem graça.

Mas mais que estas características, que se podiam dizer individuais (e cada um sabe de si e esses adágios), ocorrem fenómenos de grupo mais perversos. É bem notório em alguns grupos, em que alguém se destaca pelo seu sentido de humor. Mesmo quando consegue conquistar os outros com o seu humor, não deixa de ser alvo de algum escárnio por parte dos restantes, como se por ter sentido de humor fosse pouco credível (a seriedade é o oposto de humor, não é?). Mais que tudo, é inveja a funcionar. O medíocre que não tem coragem nem engenho para ver o humor na vida, não suporta que outros o consigam fazer.




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terça-feira, dezembro 14, 2004

Questões de honra


A honra é algo tão fora de moda que, não padecesse eu de algum distúrbio da personalidade, fui confirmar se tal palavra existe mesmo. O dicionário On-line da Texto Editora diz que sim, mas deixou-me estupefacto. Porque para além de ditar como seus sinónimos honestidade e dignidade, começa logo por dizer que honra é “sentimento que leva o homem a procurar merecer e manter a consideração pública”.

Quando a consciência do cidadão médio aumenta o seu nível, seria de esperar que ele tivesse um comportamento mais adequado, coerente e positivo. Por exemplo, não há muitos anos, para quase todos, o Estado era algo abstracto, desligado da realidade mundana, que fazia sentir a sua mão fria em certas ocasiões. O Estado era um pai de todos, um saco sem fundo de onde tudo de devia extrair e, se possível, nada dar em troca.

Vejo várias razões para isto, desde logo a nossa concepção cultural cristã que insiste em ver a salvação como algo exterior a nós, mas também certas peculiaridades portuguesas. Não nos esqueçamos que durante alturas importantes da nossa História, boa parte dos orçamentos dos reinos eram provindos do exterior (ouro do Brasil, remessas dos emigrantes e tantas outros paliativos...). Nem o Salazarismo nem a integração europeia fizeram muito para mudar tais perspectivas.

Mas sinto que hoje em dia, boa parte da população já se apercebe que o estado é algo bem real, algo que só existe porque assim o constituem. Que sacanear o estado é sacanear todos um pouco. Mas este acréscimo de consciência não nos tornou mais éticos. E porquê? Simplesmente, acho, porque não temos honra. Quanto mais sacarmos melhor. Estou a condenar as próximas gerações? E isso havia de me preocupar porquê?

Vejamos esta questão de Jorge Sampaio ter dissolvido a Assembleia da República. Toda a forma como a situação é vista pelas pessoas é sintoma de que já demos um pontapé forte à honra, para que ela não se metesse “onde não é chamada”. Basicamente, pode-se dizer que se trata de uma questão de xenofobia política. Santana Lopes causa repulsa a muita gente e havia que correr com ele de qualquer forma.

Tudo começa quando a essência transmudasse em mero formalismo irrelevante. A essência é que a nossa democracia é indirecta, não escolhe directamente o Primeiro Ministro. A essência é que, mais importante que algum homem providencial, são as políticas que um grupo (normalmente partido ou grupo de partidos) apresenta. A essência é que a atenção calma mas crítica devia prevalecer sobre emoções ditadas por vontades irreflectidas. No entanto, esta essência é desprezada e passa a acessório, a mero formalismo a que ninguém liga, isto quando ainda existe.

Sendo assim, escolhe-se um homem que possa salvar a situação, e como tal, se esse homem muda a meio, as pessoas sentem-se enganadas, não era Santana Lopes quem elas queriam. É a necessidade de procurar um pai. Será que as pessoas se apercebem do ridículo da situação, do ar de debilidade emocional que dão? São os próprios partidos que promovem tal coisa, eles escolhem os candidatos a Pais da nação. E será caso para dizer que Santana Lopes é a principal vítima do sistema que tanto gosta de utilizar para seu benefício.

Do pouco que vi do congresso do PSD, lembro-me dos rasgados elogios que Santana Lopes fez ao Presidente da República, num momento em que todos foram unânimes em aplaudir a figura máxima da nação. De pouco valeu, porque tal rebaixamento hipócrita não produziu os resultados esperados. Mas mais que isso, foi um gesto em que sempre se confundiu a figura do Presidente da República com a pessoa que exerce o cargo. Tal separação pode fazer pouco sentido para crianças que ainda não tenham capacidade de pensar abstractamente, mas para pessoas adultas é um insulto à inteligência. E quem deixa-se assim violar não tem honra, seguramente.

Mas isto são apenas pequenos exemplos. Em quase todos os domínios perdeu-se o pudor, mente-se descaradamente e defendem-se as posições mais abjectas. Voltando ao início, o “sentimento que leva o homem a procurar merecer e manter a consideração pública” já não é a honra. Porque para ter consideração pública já não é necessário ser honesto e digno. Talvez até a honra seja algo que atrapalha. Admirados são os que humilham os mais fracos, os que insultam facilmente, os que apelam à inveja, os que não dizem coisa com coisa, os que brilham por nada saberem fazer. Fomos dar em pessoas que se contentam em sermos uns filhos da puta uns para os outros, mascarando tudo com uma hipocrisia apaziguadora. A honra, tal como a armadura de um soldado da antiguidade, passou a ser uma peça de museu.



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quinta-feira, dezembro 09, 2004

O nosso herói


No post anterior (que já foi escrito há tanto tempo que já me andam a enviar SMS pela demora pelo próximo…) faço alusão a Jorge Nuno Pinto da Costa (JNPC) de forma muito pouco abonatória. Não é minha intenção vir agora, após a sequência de acontecimentos que o fizeram arguido de um processo onde é acusado de vários crimes, dizer que já desconfiava, vejam bem como fui premonitório, ou outro comentário de uma declaração de vitória. Fiz uma classificação sumária apenas baseado nas coisas que JNPC tem feito à frente de todos, sem qualquer pudor, insultando, incitando ao ódio, ridicularizando, espezinhando quem sabe que não pode responder na mesma moeda.

JNPC é para mim um ser aberrante por aquilo que tem feito às claras. E para que não se pense que isto é uma questão de clubite, não tenho muito apreço pelo presidente do meu clube, Luís Filipe Vieira. E podia prosseguir com este, que questionado sobre os acontecimentos sobre JNPC começou por dizer que não comentava. Logo a seguir desmentiu-se, começando a comentar, dizendo que nada disto o surpreendia, e disse que os jornalistas eram uns cobardes porque não pegavam em nada contra JNPC. Por acaso até concordo que os jornalistas são completamente subservientes a JNPC, muito mais até que ao próprio FCP, o que devia ser o contrário. No entanto, Luís Filipe Vieira também não revelou coragem alguma quando era amiguinho de JNPC. Será que nessa altura JNPC era impoluto e agora, que se zangaram, é que deu a fazer umas sacanices?

Mas continuando, logo nos dias em que rebentou a polémica sobre JNPC um dos seus adeptos, um dos chamados populares, já com alguma idade, fez uma defesa do seu mestre, admirável. Dizia ele para as TV que, prontos, já se sabe, que no mundo do futebol é natural que aconteçam assim umas coisas… Mas agora o FCP ser continuamente beneficiado devido a corrupção, não achava que fosse verdade. Numa só penada ele deu como certo ser JNPC culpado e isso ser natural, como ainda lançou a ideia de uma conspiração que duraria há anos. Melhor defesa era impossível…

Mas isto são apenas curiosidades, porque achei preocupantes as declarações de António Marinho, o candidato a bastonário da Ordem dos Advogados. Dizia o senhor, num programa matinal de educação do povo ignorante, que não tinha sentido todo este aparato à volta de JNPC, que isto só servia para desviar atenções de outros problemas, que a justiça devia se ocupar de outras coisas e que isto não ia dar em nada. Espantoso…

Mas dissecando por miúdos, quanto há questão de não ter sentido fazer todo um aparato à volta de um julgamento de uma figura conhecida. Bem, acho que tem tanto sentido quanto a um aparato feito à volta de qualquer outra figura pública. É certo que são coisas um pouco doentias, fruto dos tempos, que dão azo a comportamentos irracionais, mas era preciso criticar todos estes acontecimentos por igual e não distinguir este. Não vi tanta indignação por outros destaques que envolveram outras figuras públicas, mas este senhor acha que JNPC merece diferente tratamento. Vi um aparato 100 vezes maior aquando dos processos relacionados com João Vale e Azevedo, mas aí ninguém se preocupou se fazia sentido ou não.

Se este acontecimento serve para desviar atenções de outros problemas? Sem dúvida, mas não me parece ser isso obra de uma cabala mas apenas o curso natural das coisas. Lembremos, por exemplo, as eleições americanas, que decorreram há tão pouco tempo que a segunda administração Bush ainda nem tomou posse e que despertaram por cá um interesse nunca visto. No entanto, os acontecimentos recentes mais mediáticos parece que a colocaram num passado já distante. Alguém se lembrou de dizer que a dissolução da Assembleia da República por Sampaio foi uma manobra para fazer esquecer as eleições americanas?

Mais incrível ainda foi a ideia de que os tribunais não deviam tratar destes casos e que isso ficasse apenas nos organismos desportivos. Passaria a existir um segundo estado, dentro do estado. Para além de decidirem os castigos a aplicar aos jogadores por cartões amarelos e cabeçadas, passariam também a lidar com casos de corrupção, tráfico de influências e já agora, se seguimos por este caminho, porque não todo o tipo de crimes desde que se pudesse alegar terem algo a ver com desporto? Bem, mas este senhor parece mesmo saber do que fala, porque afirmou que tudo isto não ia dar em nada…



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