Indícios do suicídio civilizacional (IX)
Em crianças ensinaram-nos o que era o bem e o mal. Evitar o mal era a nossa protecção e afastava-nos do perigo. Mais tarde, na adolescência, na universidade, na vida adulta surgiram as novas fontes que nos desmentem a validade dos primeiros ensinamentos. O bem e o mal não existem, são coisas inventadas para nos provocar terror e nos incutir um sentimento de culpa, que nos castra socialmente e na nossa intimidade de modo a manter o poder dos padres, que surgem como salvadores dos papões que eles mesmo inventaram.
Assim formou-se uma sociedade de indivíduos com visceral aversão ao religioso, ao tradicional e ao conservador. Quando se tornam pais já nada têm para ensinar aos seus filhos. Tentam compensar a rejeição dos ensinamentos pretéritos com a adesão às novidades salvadoras. Seguem de forma pueril todas as indicações dos especialistas para uma vida saudável, para um correcto desenvolvimento psico-cognitivo dos filhos, para poupar 5 euros por ano em electricidade seguindo uma disciplina férrea em relação aos interruptores (na gíria técnica diz-se que “não custa nada”).
Uma vivência assim é resultado do declínio espiritual porque os indivíduos perderam qualquer noção de bem e de mal. O que antes era “o bem” deu lugar a uma tentativa de aceitar friamente as conclusões racionais das disciplinas do conhecimento humano como orientador principal. Note-se que o problema não está em aceitar a racionalidade mas em não perceber as suas limitações.
Aquilo que se chamava “o bem” tratava-se em grande parte de um conjunto de hábitos, comportamentos, ideias e rituais que resultaram de um longo processo de triagem civilizacional, cuja validade não foi decretada por ninguém mas descoberta através de miríades de pessoas que foram escolhendo o que consideravam ser as melhores opções para os seus problemas, com muitas tentativas e erros. A codificação das «melhores práticas» em códigos éticos e morais nunca é um processo feito de uma só vez. Mesmo as propostas surgidas de uma revelação religiosa tiveram os seus antecedentes culturais e só sobreviveram porque foram aceites e não impostas.
É um erro monumental pensar que a civilização ocidental vivia na obscuridade da irracionalidade religiosa até a chegada do iluminismo. Foi esse mesmo iluminismo que deu um impulso monumental a disparates como a astrologia. A religião não impediu a criação literária, arquitectónica, musical e até, pasme-se, o nascimento da ciência. Fazem passar constantemente a imagem oposta que nos custa a crer que é assim. Lembram-nos constantemente dos passos em falso da Igreja e esquecem quando foram os padres a impulsionar o saber e as artes. Passamos a acreditar que a religião e a tradição nada tinham de bom a oferecer e, sendo assim, “o bem” teria de vir de outras paragens.
Mas o que acontece se tivermos que substituir todo o legado religioso e tradicional? O antigo “bem” pode traduzir-se numa palavra: «confiança». Essa confiança resulta de uma conjunto mínimo de soluções para os aspectos fundamentais da vida, a que o homem tem acesso. Pode implicar esforço e sacrifícios, mas o exemplo de incontáveis homens que já seguiram os mesmos passos e triunfaram inspira confiança e, até mesmo, um certo sentido de transcendência.
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