terça-feira, agosto 28, 2007

Civilização e religião (18)

REFLEXÕES DO ACTUAL PAPA (1)

Algumas reflexões sobre a Europa encontram-se no livro “Europa – Os seus fundamentos hoje e Amanhã”, pelo então cardeal Joseph Ratzinger (editora Paulus).

Apesar da Europa se definir formalmente pela geografia, só a podemos compreender como um conceito cultural e histórico. Apenas desta forma as próprias evoluções no terreno são estendíveis. A primeira noção de um continente europeu identificou-se com o sacro Império Romano, cujas fronteiras nada têm a ver com aquilo que hoje chamamos Europa. O antigo império rodeava o Mediterrâneo mas com a sua dissolução e, mais tarde, com o avanço triunfal do Islão, este mar passa a ser uma fronteira entre Europa e África.


A fragmentação do Império Romano não terminou a vontade de expandir o império de Cristo. Por um lado ocorreu a expansão para norte, onde a Gália, a Germânia e a Britânia ganharam relevo. A oriente ainda permaneceu o antigo império, agora com a Capital em Bizâncio, que mudará de nome para Constantinopla. Nasceu aqui o cristianismo ortodoxo que depois se espalhou para o mundo eslavo e para a Rússia. Mas a antiga capital ainda teve de mudar de nome para Istambul, depois de cair em 1453 na mão dos turcos. Assim Moscovo acabou por se reclamar como a capital da ortodoxia. No ocidente ocorreu a fractura com o norte protestante e o sul católico, com idêntica transposição para as Américas.

Esta história baseia-se na ideia de construir um império com base na transcendência. Tendo convertido povos bárbaros, dado e recebido influências em relação a outras culturas antigas, a ideia base apenas foi contrariada a partir de dentro, com a Revolução Francesa. Criou-se a ideia de que o Estado deve apenas basear-se na razão e todas as questões de fé devem ser estritamente privadas. As limitações desta concepção deviam ser evidentes se pensarmos que os Estados que a iriam adoptar iram quase todos, mais tarde ou mais cedo, acabar na mão de ditadores.

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terça-feira, agosto 21, 2007

Civilização e religião (17)

A IMPORTÂNCIA DA RELIGIÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO OCIDENTE (4)

Aquilo a que hoje se chama solidariedade social é essencialmente o subsídio de alguns desfavorecidos pelo Estado. Não há qualquer relação directa entre quem paga impostos e quem deles recebe uma pequena parte. Não há verdadeira dádiva nem qualquer gratidão, apenas uma relação fria determinada por burocratas. Robert Royal diz que devíamos seguir o exemplo dos primeiros cristãos e assumir a solidariedade com os mais necessitados directamente. Só deixando o Estado de fora, na medida do possível, é possível reconstruir uma sociedade mais humana onde os indivíduos são conscientes das suas responsabilidades.

A ligação à religião parece desnecessária mesmo para muitos que nela vêm uma importante inspiração para valores e instituições que hoje respeitamos. Contudo, há uma sensação generalizada de que os avanços da ciência e da tecnologia, da economia, a consagração das liberdades políticas e dos direitos humanos, tudo isto, pode dispensar daqui para a frente por completo a religião. E com a vantagem de não serem necessárias mais guerras religiosas. Contudo, desde a Paz de Vestefália assinada em 1648 que não existiram mais guerras desencadeadas oficialmente em nome da religião. A Revolução Francesa que tentou impor a Razão como a única coisa sagrada na realidade o que conseguiu foi causar no imediato uma enorme carnificina. As dezenas de milhões de mortos do marxismo, que dispensaram a religião, também devem ser eloquentes. E o ocidente no século XX, caminhando a largos passos para o ateísmo, teve a partir do seu seio duas guerras mundiais. Visto de fora, o ocidente à medida que foi abandonando a religião, apesar de fazer enormes progressos em várias áreas, caracterizou-se sobretudo pela tentativa de suicídio.
Apesar de todos os seus defeitos, os Estados Unidos são a democracia mais estável do mundo. Os pais fundadores tiveram a lucidez de separar a Igreja do Estado e de assegurar que ninguém possuiria alguma vez demasiado poder através do sistema de separação de poderes conhecido como “checks and balances”. Contudo, tudo isto só foi possível manter durante já alguns séculos porque existe uma moralidade que faz respeitar estes princípios. Foram esses mesmos país fundadores que nunca tiveram dúvidas em assegurar que o fundamento da moralidade e a religião, e abandonando esta todo o edifício irá ruir. Nas palavras de Václav Havel, a democracia só poderá sobreviver e expandir-se se redescobrir e renovar as suas origens transcendentais.

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terça-feira, agosto 14, 2007

Civilização e religião (16)

A IMPORTÂNCIA DA RELIGIÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO OCIDENTE (3)

As culturas arcaicas possuiam uma concepção circular do tempo. O Génesis apresenta uma narrativa da criação que rompeu com isto, falando num mundo que teve um início e se dirige de forma linear para um fim. A partir daqui é possível imaginar a História com sentido próprio. Robert Royal acha que se a isto se somar a noção de que o homem foi criado à imagem de Deus, o resultado é a criatividade incessante típica do ocidente. Esta “efervescência” é criticada por aqueles que defendem certas noções de equilíbrio na natureza, criticando todo o progresso das sociedades ocidentais, a começar nas explorações marítimas.

Começou a perceber-se em Santo Agostinho a importância a dar ao indivíduo e à consciência. Surgiu o dilema entre as situações terrenas e a ideia da Deus, que foi pedindo o desenvolvimento da personalidade. Foi ainda no período medieval que surgiu a ideia de que o ser humano tinha direitos inerentes. O final da Idade Média, durante tanto tempo visto de forma simplista como uma era de trevas, viu ser consolidada a separação entre a Igreja e Estado, bem como a limitação de poderes. Não terá sido por acaso que isto tenha sido clarificado quando a noção de personalidade e concomitante responsabilidade tenham ganho maior relevo.
O movimento anticlerical tem avançado duas ideias contraditórias. Por um lado fala da religião como a grande força de bloqueio no desenvolvimento da ciência. Mas também condena a religião por ter posto em marcha todo o desenvolvimento no ocidente que conduziu a uma crise ambiental. Foram os franciscanos no final da Idade Média os responsáveis pelos principais desenvolvimentos científicos, simplesmente porque eram os que prestavam mais atenção ao mundo criado. O desígnio de destruir a natureza também nunca poderia ser uma meta traçada biblicamente quando o que de lá retiramos é um mundo bom, ordenado e inteligível. No entanto, todas estas raízes do que é o ocidente, mais do que esquecidas são fortemente negadas.

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Civilização e religião (16)

A IMPORTÂNCIA DA RELIGIÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO OCIDENTE (3)

As culturas arcaicas possuiam uma concepção circular do tempo. O Génesis apresenta uma narrativa da criação que rompeu com isto, falando num mundo que teve um início e se dirige de forma linear para um fim. A partir daqui é possível imaginar a História com sentido próprio. Robert Royal acha que se a isto se somar a noção de que o homem foi criado à imagem de Deus, o resultado é a criatividade incessante típica do ocidente. Esta “efervescência” é criticada por aqueles que defendem certas noções de equilíbrio na natureza, criticando todo o progresso das sociedades ocidentais, a começar nas explorações marítimas.

Começou a perceber-se em Santo Agostinho a importância a dar ao indivíduo e à consciência. Surgiu o dilema entre as situações terrenas e a ideia da Deus, que foi pedindo o desenvolvimento da personalidade. Foi ainda no período medieval que surgiu a ideia de que o ser humano tinha direitos inerentes. O final da Idade Média, durante tanto tempo visto de forma simplista como uma era de trevas, viu ser consolidada a separação entre a Igreja e Estado, bem como a limitação de poderes. Não terá sido por acaso que isto tenha sido clarificado quando a noção de personalidade e concomitante responsabilidade tenham ganho maior relevo.
O movimento anticlerical tem avançado duas ideias contraditórias. Por um lado fala da religião como a grande força de bloqueio no desenvolvimento da ciência. Mas também condena a religião por ter posto em marcha todo o desenvolvimento no ocidente que conduziu a uma crise ambiental. Foram os franciscanos no final da Idade Média os responsáveis pelos principais desenvolvimentos científicos, simplesmente porque eram os que prestavam mais atenção ao mundo criado. O desígnio de destruir a natureza também nunca poderia ser uma meta traçada biblicamente quando o que de lá retiramos é um mundo bom, ordenado e inteligível. No entanto, todas estas raízes do que é o ocidente, mais do que esquecidas são fortemente negadas.

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terça-feira, agosto 07, 2007

Civilização e religião (15)

A IMPORTÂNCIA DA RELIGIÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO OCIDENTE (2)

É bem conhecida a brutalidade dos eventos que ocorriam no Coliseu romano, sob admiração entusiasta da turba. Contudo é fácil esquecer que estes hábitos não eram excepcionais mas aconteciam regularmente na maior parte dos locais não tocados por certas crenças religiosas. O contraste com o comportamento dos cristãos virtuosos, humildes e mostrando amor ao próximo, atraiu muitos entre os povos pagãos. Esta compaixão cristã era particularmente impressionante quando actuavam junto dos doentes, que necessitavam amiúde de cuidados permanentes durante muito tempo e o risco para o caridoso era notoriamente real. Esta caridade entre os cristãos serviu também para criar populações mais resistentes e indirectamente foi uma forma de promover a demografia entre os seguidores da religião de Cristo.

Hoje em dia tornou-se moda a ideia que o cristianismo prejudicou as mulheres, mas a realidade diz-nos outras coisas. Nos círculos pagãos o pai de família tinha poderes absolutos e podia ordenar que a mulher abortasse, o que era frequentemente fatal. As jovens infantas eram também alvo de infanticídio por serem menos desejadas que os rapazes. E isto não é passado, se pensarmos na desproporção entre homens e mulheres jovens na China e na Índia. Por muito que se critique a ética cristã a este respeito, sem dúvida que colocou o estatuto da mulheres muito mais próximo do que tinha o homem.

O início do Génesis apresentou duas ideias que ajudaram a modular algumas marcas da ocidentalidade. Na passagem em que Deus criou o mundo, Ele depois observa que se trata de algo bom. Nas escrituras hebraicas a realidade do mundo advém de ser sido uma criação de Deus. Isto opõe-se a concepções dualísticas gnósticas e a outras que não vêm o mundo mais que uma ilusão.
Outra passagem bem conhecida do Génesis diz que o homem foi criado à imagem e semelhança do Criador e iria sobre todas a espécies reinar. As visões simplistas hodiernas não avistam nisto mais que um convite ao egocentrismo e um apelo à destruição do ecossistema. Contudo, uma concepção que coloca o homem no topo da hierarquia da criação, sabendo que há um Deus omnipotente que tudo vigia e lhe é infinitamente superior, dá ao homem responsabilidades e não direitos ilimitados. E num mundo onde a vida da maior parte das pessoas podia terminar a qualquer momento, por doenças que dizimavam famílias num ápice ou por ordem sumária de um qualquer governante ou senhor local, cada homem ouvir que tem algo à semelhança de Deus não era uma forma de o transformar numa monstro egocêntrico sem limites a colocar no querer. Era dar-lhe o mínimo de dignidade. Apenas com esta semente foi possível, muito tempo depois, conceitos como «liberdade» serem erigidos como autênticas instituições.

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