domingo, outubro 28, 2007

The show doesn’t need to go on

Depois de ter colocado fim ao O Purgatório pensei continuar este blog, fazendo guerra cultural. Contudo, uma reflexão mais apurada fez-me ver que ainda não atingi o ponto de ter algo verdadeiramente relevante para acrescentar. Este blog termina aqui.
(Título corrigido, após amável sugestão.)

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Civilização e religião (25)

REFLEXÕES DO ACTUAL PAPA (8)
Na segunda tese sobre a acção política, Ratzinger começa por alertar para a mitificação das decisões por maioria. Sem negar que se trata em muitos casos do método mais razoável para chegar a soluções comuns, a maioria nunca se pode tornar num princípio último. A razão moral está acima da maioria.

Resta saber quais os valores cuja maioria não pode colocar em causa. Antigamente existia o direito natural reconhecido por todos mas como no presente é apenas visto como uma doutrina católica particular, ficou aberto caminho para a razão partidária se impor. Resta ainda uma tríade de valores que ainda obtém um amplo reconhecimento: a paz, a justiça e a «integridade da criação», mas o partidarismo tornou a sua aplicação prática difusa e muitas vezes contraditória. O exemplo mais claro é o do valor da vida que se deixa ultrapassar facilmente pela liberdade e pelas necessidades da ciência.

Esta questão foi abordada num debate que Ratzinger teve com o Filósofo Flores d’ Arcais. O moderador, Gad Lerner, propôs os 10 mandamentos como uma base para os valores naturais. Estes mandamentos coincidem em grande parte com a sabedoria de outras grandes culturas, pelo que não se pode considerar propriedade privada de cristãos e hebreus.

«Agora vê-se claramente o que a fé pode fazer por uma boa política: ela não substitui a razão, mas pode contribuir para a evidência dos valores essenciais. No dia-a-dia, a vida na fé confere-lhes uma credibilidade que, depois, ilumina e cura a razão. No século passado – como em todos os séculos –, o testemunho dos mártires pôs limites aos excessos do poder e, deste modo, contribuiu de maneira decisiva para a purificação da razão.» (pp. 74)

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terça-feira, outubro 16, 2007

Civilização e religião (24)

REFLEXÕES DO ACTUAL PAPA (7)

Face ao estabelecido anteriormente Ratzinger estabelece duas teses sobre a actuação política nos dias de hoje. Na primeira começa por estabelecer que a política é o domínio da razão moral que tem por fim último o garante da paz e da justiça. O discernimento racional deve ser uma arma de vigilância constante contra o espírito partidário que pretende impor uma corrente como sendo a única verdadeira, mas que apenas é uma camuflagem para um esquema de poder. Esta vigilância não foi exercida de forma eficaz contra o nazismo e o comunismo.


Depois da queda das grandes ideologias ganharam relevo outros mitos políticos com uma aparência mais credível, trazendo atrás de si o terrível engodo dos valores autênticos, nomeadamente os do progresso, da ciência e da liberdade. Desde sempre o progresso parece confundir-se com o próprio desígnio da política e, habituados como estamos nas sociedades ocidentais ao progresso nos últimos 100 anos, nem esperamos outra coisa. Mas não se pode esperar que venha daqui a sair o homem novo, como se teoriza no marxismo e no liberalismo.

«Ser homem recomeça do princípio em cada ser humano. Por isso não pode existir a sociedade definitivamente nova, progredida e sã, em que esperavam não só as grandes ideologias, mas que também se torna cada vez mais – depois de a esperança no além ter sido demolida – o objectivo geral por todos esperado. Uma sociedade definitivamente pressuporia o fim da liberdade.» (pp. 70) O futuro não deve ser uma evasiva para o presente.

Em relação à ciência, naturalmente que se deve reconhecer os seus méritos mas também apontar as suas patologias, mais evidentes na criação de armas de destruição e massas e nas experiências com humanos. «Por consequência, deve ser claro que também a ciência deve submeter-se a critérios morais porque se perde sempre a sua verdadeira natureza, quando, em vez de se pôr ao serviço da dignidade do homem, se coloca à disposição do poder ou do comércio ou simplesmente do sucesso como único critério.» (pp. 71)

«Finalmente, o conceito de liberdade. Também ele na época moderna assumiu diversos traços míticos. Não raramente, a liberdade é concebida de maneira anárquica e simplesmente anti-institucional, tornando-se assim, um ídolo: a liberdade humana deve ser sempre só a do justo relacionamento mútuo, a liberdade na justiça; de outro modo, torna-se mentira e conduz à escravidão.» (pp. 71)

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terça-feira, outubro 09, 2007

Civilização e religião (23)

REFLEXÕES DO ACTUAL PAPA (6)

O Novo Testamento dá indicações sobre como deve ser o agir histórico. Em Romanos 13 pede-se submissão a todas as almas em relação às autoridades públicas, pois toda a autoridade provém de Deus. Claramente não há aqui qualquer apoio à causa revolucionária. A primeira carta de Pedro solicita a mesma submissão, fazendo ainda uma premonição acurada sobre o que será a mentalidade revolucionária muitos séculos mais tarde: «Actuai como homens livres, não como aqueles que fazem da liberdade um pretexto para a maldade…»


Em nada disto é preconizada uma divinização do Estado, que se torna claro na célebre resposta de Jesus aos fariseus e herodianos a propósito da questão dos impostos. César, como garante do direito, devia ser obedecido e receber o que lhe era devido. Mas César nunca deve tomar o papel de Deus, de onde se retira de imediato a necessidade de limitar o poder do Estado. Esta oposição ao Estado totalitário não se deve fazer através do uso da força mas aceitando o martírio sempre que em causa estiver a vontade de Deus.

Jesus, apesar de ser o Messias esperado, acabou por transformar o messianismo delineado no Antigo Testamento, deixando de lado a perspectiva escatológica-revolucionária. São quebradas as ilusões da política poder estabelecer o Reino de Deus. A esperança messiânica continua viva mas é colocada para além do tempo. «Ela evidencia os critérios morais da política e indica os limites do poder político, graças ao horizonte da esperança que deixa entrever para além da história e nela dá a coragem para se agir e sofrer rectamente.» (pp. 67) Mesmo o Apocalipse de João não deixa de ter esta fé na criação, no que diverge por completo da gnose.

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terça-feira, outubro 02, 2007

Civilização e religião (22)

REFLEXÕES DO ACTUAL PAPA (5)

Impõe-se hoje em dia ao político que prometa mudanças. Com a revolução em descrença, tomam lugar as reformas. Em todo o caso, o político tem de mudar e não conservar a sociedade, como se a vivência nesta estivesse no limite do suportável. No Império de Roma era o “Conservator” que desempenhava o papel mais importante da comunidade, que garantia a manutenção de um espaço onde reinavam a paz e o direito. Mesmo apreciando esta garantia, os cristãos pretendiam ver em Cristo algo mais que um “Conservator”, exactamente um “Salvator”. Está aqui implícita uma mudança, não no sentido político-revolucionário, mas que abria a perspectiva para outra dimensão humana.


A visão estática é por excelência a do Tao chinês, onde se define uma ordem divina a emular no ser humano e na vida política. Há que conservar, portanto, essa ordem. A visão do Dharma, em especial como é vista no budismo, conduz a uma profunda revolução interior mas não propõe novos modelos para a sociedade. A fé de Israel diferencia-se porque se orienta para o futuro, tem intrinsecamente uma concepção histórica. «É a visão dos oprimidos que olham para uma viragem da história e não se podem interessar pela conservação do existente.» O livro de Daniel apresenta visões onde essa viragem é uma intervenção directa de Deus, onde muitos viram o anúncio da chegada do Messias.

O marxismo veio retomar a corrente apocalíptica, tendo como suporte ideológico as classes dos explorados. Contudo, as reformas liberais levaram a que essas classes fossem melhorando o seu nível de vida e adquirissem direitos que tornaram a revolução supérflua. O marxismo acabou por ser a religião dos intelectuais, que se vêm opondo fortemente ao reformismo, aceitando apenas um mundo totalmente novo. A história passou a ser vista de forma evolucionista, através de saltos que se constituem como movimentos dialécticos, seguindo a formulação de Hegel. O Messias passou a ser a sociedade sem classes, que advém da revolução política. Apesar do determinismo implícito, as reformas são condenadas por destruírem o impulso revolucionário.

«Revolução e utopia – a nostalgia de um mundo perfeito – estão ligadas: são a forma concreta deste novo messianismo, político e secularizado. O ídolo do futuro devora o presente; o ídolo da revolução é o adversário do agir político racional em ordem a um melhoramento concreto do mundo. A visão teológica de Daniel, da apocalíptica em geral, é aplicada à realidade secular e, ao mesmo tempo, mistificada e rotundamente deformada. Com efeito, as duas ideias políticas basilares – revolução e utopia – são, na sua ligação à evolução e à dialéctica, um mito absolutamente anti-racional: a desmistificação é urgentemente necessária, para que a política possa desenvolver a sua obra de modo verdadeiramente racional.»

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