quarta-feira, agosto 06, 2003

Comentário publicado no Abrupto


Para encher o blog com alguma coisa, vou colocar aqui um comentário meu que foi publicado no Abrupto:
Sei que o timing para comentar este assunto já passou, mas gostaria de acrescentar algo sobre a questão dos exames de Matemática e Física. Em geral, os comentários são todos a culpar o sistema. Acho mais interessante analisar o que causou esse tal entorpecimento do sistema e o que não deixa que se modifique.
Mas aqui não há grupos de pressão, interesses das multinacionais, pelo menos directamente. Todos somos culpados, como se costuma dizer, mas talvez seja útil apontar o dedo a alguns deles: pais, intelectuais, programadores de televisão. Propositadamente deixei políticos e agentes de ensino de fora, porque as suas culpas e desculpas já são bem conhecidas.

Os pais, em geral, não demonstram qualquer interesse na educação dos filhos. Para eles a educação é apenas uma forma de conseguir um bom emprego, de atingir estatuto social ou talvez apenas uma forma gratuita de ocupar os filhos. O saber tem que ser utilitário, tem que servir para algo que dê dinheiro ou poder, é essa a visão geral. É comum um pai perguntar ao filho o que aprendeu na escola? Partilhar com eles conhecimento? Não, os pais não se interessam, os pais não acompanham diariamente os filhos, apenas querem ver notas, resultados, sucesso ou falhanço. São juizes, não são orientadores.

Depois culpo os intelectuais. Coloco-os entre itálico devido ao pouco respeito que tenho pela classe que em Portugal se costuma denominar assim. Por cá, intelectual é a figura que se deixa deslumbrar pelo poder, que comenta nos jornais e na TV, que fala com suposta autoridade. Como dizia um filósofo, há pessoas que só consegue convencer os ignorantes, e é assim que vejo os nossos intelectuais. E o meu pouco respeito deriva precisamente dessas pessoas serem, na sua quase totalidade, analfabetos em Física e Matemática. Estes intelectuais não sabem em que mundo vivem, não sabem o que é um electrão, o que diz o 2º princípio da termodinâmica, o que é a luz, o que é o princípio da incerteza e nem sabem pensar matematicamente – e tudo isto são coisas fundamentais, tão essenciais ao homem culto como saber a História do seu país ou dominar a língua materna. O baixo nível que atinge a pseudo - intelectualidade faz com que aos verdadeiros intelectuais lhes repugne o contacto com estas pessoas. Porque temos muitos bons investigadores em Portugal na área científica, mas estes preferem falar com quem lhes está à altura, os seus pares por cá e no estrangeiro. Por isso, os verdadeiros intelectuais normalmente estão escondidos do público, substituídos por medíocres sedentos de protagonismo.

Por último, os programadores de TV. Trata-se de um problema global. A linguagem televisiva actual privilegia o óbvio, a última novidade, mostra tudo rapidamente e pronto a consumir, sem necessidade de pensar. As maravilhas da ciência não se explicam desta forma. O pior é que muito dificilmente se explicam de qualquer forma. Existem muitos livros que fazem uma boa divulgação científica, mas aí já são os leitores que tomam iniciativa (quase sempre) e já estão dispostos a fazer um esforço para compreenderem. A TV como meio de divulgação científica quase não existe e quase nunca existiu. Desde os programas de Carl Sagan que não foram feitos outros que conseguissem entusiasmar tantas pessoas pelo mundo fora pela ciência. A verdade é que não é fácil falar de ciência para toda a gente com rigor e poesia, mas se não for assim não se consegue cativar.

Claro que o sistema está mal. Um simples exemplo: há uns anos atrás, numa livraria, abri um manual de Física do secundário. Li o prefácio e apenas em algumas linhas detectei uma meia dúzia de erros crassos. Assim é difícil aos alunos aprenderam alguma coisa.

Gostava de lançar um desafio que acho interessante. Eu tenho formação científica, como se pode ver pela minha escrita tosca e directa. Agora vou tentando me complementar procurando saber mais de artes, literatura, história, ciências sociais. Que tal as pessoas ligadas às letras, artes e ciências sociais procurarem saber mais de ciência? Não lhes faria mal nenhum e iriam descobrir muitas coisas interessantes. O conhecimento pode ser uno, se fizermos por isso. Seria o primeiro passo para muita coisa.