segunda-feira, setembro 15, 2003

Notas sobre humor (2) - O Exorcista


O humor também escolhe formas insólitas de se apresentar. Há uns tempos atrás fui ver a nova versão do filme “O Exorcista”. A plateia era composta na sua maioria por jovens adolescentes, de idades semelhantes à que eu tinha quando vi o filme pela primeira vez. Era um Portugal diferente, onde Deus ainda não tinha morrido completamente e o Diabo ainda tinha alguns bastiões. Era um filme que falava de coisas sérias, um sobrenatural religioso com várias ligações à memória colectiva da época.

Nos minutos iniciais apareceram os primeiros risos. Talvez fosse apenas uma reacção de nervosismo inicial, mas com o decorrer do filme as jovens almas iriam acalmar e talvez até se amedrontar, pensei. Mas nada disso, para eles o filme foi uma enorme paródia, uma festa geral. Nunca estive num filme em que mais gente se riu, onde as gargalhadas foram mais prolongadas e sonoras. Algumas pessoas mais velhas ficaram indignadas com aquilo, acharam uma falta de respeito e de educação. Eu achei tudo curioso, aquele riso era espontâneo, valia a pena dar-lhe atenção.

Tudo no filme é desajustado dos tempos modernos. Os planos utilizados não são apelativos, as roupas, carros e casas são antiquados, mas a grande diferença são os tempos. Os jovens estão habituados a coisas rápidas, a um fast food televisivo, planos de poucos segundos, e ali tudo era pausado, lentamente dramático. A própria temática do sobrenatural, religiosidade, demónios, já não impressiona ninguém. Não que as pessoas estejam mais evoluídas, porque acreditam mais que nunca em disparates, mas nada é levado a sério, é mais um passatempo, os aliens, a teoria da conspiração, os círculos nos campos de cereais, o esoterismo, o futuro em pedras preciosas ou nas borras do café no fundo da chávenas, tudo se leva na brincadeira. As novas gerações vêem o filme como um enorme divertimento.

Fico a pensar na qualidade da juventude. Eu percebi porque razão eles acharam tanta graça ao filme, mas eles não sentiam a outra densidade existente, não se conseguem adaptar. Ou é como eles conhecem ou então rejeitam e gozam. Juventude esclerosada? >