quarta-feira, setembro 03, 2003

A heresia de falar do Big Brother


Muito antes início do primeiro Big Brother nacional já estava instalada uma polémica de opiniões definitivas. Andei um pouco alheado disso e só uns dias antes de iniciar o programa me inteirei sobre o que era. Parecia-me um pouco assustador colocar pessoas fechadas naquelas condições, sem privacidade e privados de tantas coisas a que estavam habituados. E tendo em conta o fraco domínio emocional das pessoas que (presumivelmente) seriam escolhidas, aquilo poderia ser uma experiência psicológica muito intensa e fria, por ser programada.

Enganei-me numa coisa e noutra acertei em parte. Não ia ser uma experiência fria e impessoal, como antevi (não tinha visto qualquer imagem dos programas em outros países). As pessoas entram na casa rodeadas pela família e amigos, os familiares estão semanalmente no programa, os participantes estão sempre cheios de saudades da família e dos amigos e, privados destes, tentam muitas vezes encontrar novos amigos e até formar nova família dentro da casa – deste ponto de vista, é um programa muito conservador, e uma boa propaganda aos valores familiares.

No que acertei em parte foi no ter pensado que seria uma experiência intensa. Já antevia que os jovens participantes, que se achavam bastante seguros de si, iriam ficar bastante desorientados face às privações impostas, perdendo facilmente o controlo e surpreendidos por verem que possuíam tão pouco auto conhecimento.

O que não antevia era a reacção no exterior. Surpreendi-me com o sucesso do programa, transversal a toda a sociedade e não apenas nas camadas habituadas a programas mais sentimentais. O sucesso explica-se de várias formas. A maioria fez isso falando da doentia necessidade das pessoas saberem da vida dos outros, em especial da intimidade. Mas o Big Brother também é um corte em relação ao que se vê na TV. Tudo o que aparece nos média é cuidadosamente preparado, a normalidade é excluída, as palavras e os gestos são encenados, exclui-se o que não é próprio, o que é demasiado mundano. E no Big Brother as pessoas aparecem como são e todas são diferentes e com várias facetas inesperadas – e humanas. Em particular, o primeiro Big Brother era mais intenso por os participantes irem bastante desprevenidos. Alguns já tinham visto edições em outros países e sabiam que iriam ter alguma notoriedade. Mas não imaginavam que fosse tanta até porque a TVI na altura era uma estação com pouca audiência, e para eles o mundo era só as pessoas da casa, daí o drama que era o ter de sair, como se fosse acabar algo de muito precioso. Para o espectador era intrigante saber que aquelas pessoas eram, naquele momento, as mais famosas do país mas sentiam-se tão sós e perdidas. Ainda surpreendente era ver que, aparentemente, os espectadores pareciam gostar muito de uns participantes e detestar outros. Mas quando vinham para exterior, todos os participantes foram quase sempre bem recebidos. Poderia divagar um pouco para tentar explicar isto com base nas expulsões e em sentimentos de culpa, mas tenho dúvidas se isto será bem assim.

Os críticos ferrenhos do Big Brother são um caso clínico em si. Não que o programa seja isento de críticas. Obriga os participantes a privações e humilhações várias, expondo toda a intimidade. E vende isto! Mas é paternalista estar preocupado com os participantes que entraram para lá de livre vontade e podiam desistir quando quisessem, o que chegou a ocorrer. Os efeitos nefastos do programa ao nível social que se previram pareceram-me bastante exagerados, face a outro tipo de programas já há muito existentes e “tradicionalizados”. Acho mesmo que o pior efeito do Big Brother foi indirecto, com a fixação de público na TVI e nos seus jornais, séries e telenovelas – programas que lançaram um véu negro no país, com promessas de depressão garantidas. Com isto quero dizer que acho muito pior qualquer destes programas que um Big Brother, que me pareceu funcionar também como terapia familiar e de grupo, juntando muitas pessoas desavindas para assistir juntas ao desfilar emocional.

Em relação às outras edições e em especial sobre esta última a decorrer, talvez acrescente mais umas palavras.