terça-feira, setembro 23, 2003

Crónicas de um futebol esquecido (1)


BRONCOS, ARTISTAS E GÉNIOS

As pessoas que lêem este blog, umas duas ou três contando comigo, podem ficar descansadas. Não vou iniciar aqui uma secção de comentários sobre a jornada anterior, porque iso são conversas de café. Opiniões sobre futebol são as ideais para entrar num ouvido e sair pelo outro ou por onde der jeito, e raramente deviam ficar escritas. Apenas vou falar de coisas que, em teoria, possam interessar mesmo às pessoas que não gostam de futebol.Porquê o título desta crónica referir broncos, artistas e génios. A verdade é que foi a primeira coisa que me surgiu, e a minha preguiça mental leva-me a acreditar que o título é bom e, assim, não vale a pena pensar noutro. Mas, à boa maneira portuguesa, vou tentar justificar o que não tem explicação, entrando em contradição comigo próprio.

Toda a gente sabe que o futebol é para broncos. Os jogadores são broncos, os treinadores também, os presidentes dos clubes nem se fala e os adeptos pior ainda, como se pode ver pelos idiotas das claques organizadas. E os árbitros também devem ser porque todos os insultam e isso não é bom sinal. É esta a visão que muitos têm sobre o futebol, especialmente a nossa intelectualidade de pantufas (se fosse mau diria que é assim do tipo “pessoal dos blogues”).

Já os jornalistas desportivos querem-nos fazer crer que no futebol só há artistas e génios. Onde está a verdade? O que vejo é que no futebol há de tudo, há os broncos, os jogadores são quase todos uns artistas e, dentro deles, por vezes há alguns génios. Mas há volta do futebol e também dentro dele, o que predomina são as pessoas normais. É uma ideia errada pensar que todos os adeptos de futebol são broncos. Um jogo de futebol é sempre mais civilizado que uma manifestação anti-globalização. Mas sobre isto gostaria de falar num outro post (sobre a ida à Catedral).

E como distinguir, dentro dos futebolistas, entre os artistas e os génios? No actual futebol português é fácil, não há nenhum génio, o que há são diferenças de nível e até de classe. Mas a genialidade é uma coisa à parte. Gostaria de contar um pequeno episódio sobre um génio do futebol.

Era eu ainda um criança e fui uma vez acompanhado de familiares ao Estádio da Luz. Era um dia rotineiro, nem sequer havia treino, e fui lá só para ver o estádio. Por coincidência, estava lá o Eusébio, que também já não jogava profissionalmente fazia muitos anos. Encontrava-se atrás da baliza, a cerca de 30 metros, e rematava bolas com a intenção de passarem por cima da barra e que entrassem depois. Não dava qualquer efeito à bola e nem tentava aproveitar o vento. Eu olhava para Eusébio, com uma grande perícia no remate e ao mesmo tempo parecendo uma criança brincando. Marcar golos daquela posição parecia-me impossível, mas Eusébio já tinha conseguido alguns. E eu intrigado.

E para que servia aquilo? Aparentemente, absolutamente para nada, as regras não permitem marcar golos de trás da baliza. Mas os génios são mesmo assim, estão sempre a pensar e a fazer coisas que não servem para nada, como almas livres. E é nesta busca desinteressada que, por vezes, descobrem uma forma única e completamente nova de fazer algo. Passados muitos anos, essa forma única é copiada por todas e catalogada como clássica.