O Futebol e a tristeza
Quem assista apenas às transmissões televisivas irá pensar que todo o país se uniu em torno da Selecção Nacional Portuguesa (SNP). Esta é uma altura em que o entusiasmo se justifica. De certo não teremos outra oportunidade, nas próximas décadas, para assistir a um Campeonato Europeu realizado em Portugal em que a SNP chegue à final. Final essa que nunca tenha sido atingida numa prova deste género.
As vitórias da SNP têm sido merecidas, e vêm convencendo cada vez mais da sua consistência. O público genuinamente apoia a selecção e mesmo após a desilusão da primeira partida não desanimou, apesar de na altura a crença ser pouca. Mesmo em termos de organização tudo tem corrido de forma pacífica. Mesmo a construção dos estádios, que todos diziam ir ser quatro ou cinco vezes mais do que o previsto, acabou por ser razoavelmente controlada (se foi justificada a construção de tantos estádios é outra conversa). Depois não aconteceu a hecatombe de violência, hooliganismo, atentados terroristas que os nossos comentadores azedos também previram.
Num país com sérios problemas de enfrentar a sua história e os seus símbolos nacionais, foi algo surpreendente ver a aderência das pessoas na colocação das bandeiras nas suas casas e viaturas. Em teoria não simpatizaria com estas acções, mas convenceu-me ver que se tratou de um movimento espontâneo e não uma manipulação por parte de alguns indivíduos obscuros. E vamos falar claramente sobre isto, porque a selecção antes do início do campeonato não teria muitas certezas sobre o apoio que teria. Não só pela fase de preparação meio cinzenta, mas muito em especial pela horda de comentadores nos meios de comunicação social empenhados em deitar abaixo a moral da SNP.
Como podia a grande massa dos portugueses dizer à SNP que estavam com ela, sem ter acesso aos meios de comunicação social? A resposta foi a colocação de bandeiras. Apesar da bandeira ser um símbolo, algo frio, ligado a um sentido nacional meio obscuro e com diferentes interpretações, neste momento desempenha uma função diferente e inequívoca. Usar a bandeira, nesta altura, é como esboçar um sorriso que mostra apoio e confiança. No fundo, é uma forma de transmitir emoções e energia. E parece que tem resultado. Obviamente que esta troca de emoções irrita bastante quem não tem capacidade de as sentir, e de forma invejosa tenta deturpar o significado que não compreende.
Mas colocar a bandeira tem sido uma acção que tenta fugir à dualidade. Entre vizinhos, não interessa quem coloca a bandeira maior e no ponto mais alto. Nem interessa se o vizinho ao lado optou por não colocar. Isto porque se trata de uma acção directa da pessoa para a SNP e, de certa forma, para si mesma. As mentes mesquinhas, mesmo que intelectualmente brilhantes, nunca conseguirão compreender isto. No meu caso, não tive o dilema de colocar ou não a bandeira porque o fizeram por mim. Mas dei-me conta que me sentia bem ao ver que o número de bandeiras aumentava pelo país, de forma serena, e pelo que vi a densidade de bandeiras é muito semelhante em zonas pobres como em outras mais favorecidas.
E agora próximo da final, os portugueses parecem sentir-se estranhos. Não há ninguém que não acreditasse que fosse possível, mas também parece ter sido bastante inesperado... Muitos de nós ansiavam pela derrota, já anteviam as conversas de café onde iriam falar mal de tudo. Começando por Scolari, depois os mais antigos (Figo, Rui Costa, Fernando Couto), que já deviam ter abdicado, dos mais novos que não tinham fibra, depois atirar as culpas da derrota consoante os clubes. Para estes tem sido uma desilusão. Alguns converteram-se e agora mostram entusiasmo, com a habitual falta de coluna vertical que já nos habituaram. Outros ainda mostram um rancor mal disfarçado, com laivos de xenofobismo. Mas se há coisa que este campeonato tem mostrado, é que estas pessoas mesquinhas e vazias são uma minoria. Uma segunda vitória para o país...
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