quinta-feira, janeiro 19, 2006

O moralista viciado

Sempre me causou repugnância a personagem do falso moralista e a sua hipocrisia. Mas recentemente comecei a pensar se não haveria casos em que não se tratasse de hipocrisia mas de algo mais subtil.

O conceito de “valor”, entendido aqui no sentido ético ou moral, tem uma carga emocional que serve de máscara a todas as ideias que se lhe associem. Há substâncias químicas que provocam ilusões de invencibilidade ou de poder voar. O moralista, por seu lado, tem a ilusão de estar sempre certo. Para ele, a lógica não pode sobrepor-se aos valores. Mais que isso, a lógica, em caso algum, conseguirá desmontar as ideias que ele associa aos seus valores.

Há uma confusão que leva à criação deste labirinto. Os valores, por si só, estão para além do certo ou do errado. Desse ponto de vista, a lógica não os pode desmontar. Contudo, as ideias que se lhe associam podem e devem ser avaliadas com um espírito crítico. O erro do moralista viciado é não perceber isto. Para ele, quem critica as suas ideias apenas mostra o desprezo pelos valores. Por exemplo, se alguém critica as suas ideias sobre a segurança social, para ele isso significa que aquela pessoa é contra o valor da solidariedade. Não avalia as ideias diversas em termos de méritos ou deméritos, porque à partida elas não merecem crédito por não terem “valor”.

Esta concepção dogmática enraíza-se facilmente no espírito humano, mesmo entre pessoas de elevada craveira intelectual. O constrangimento emocional evita que se questione todo o processo. Mais que isso, reforço o sentimento de se estar certo e os outros errados. Desta forma, é possível partilhar dos mesmos valores que o moralista (e até ter com ele uma amizade) mas discordar profundamente das suas ideias.