terça-feira, janeiro 16, 2007

Grandes portugueses

O programa da RTP acabou por me agradar mais do que poderia supor. Há logo um aspecto de catarse em recordar tantas figuras que remetem para tantos momentos das nossas vidas que não conseguimos, na maior parte, situar. Numa altura em que é frequente a ideia de que já quase nada há que nos ligue a uma ideia de Portugal, o desenrolar de 100 figuras, para uma das quais logo pensamos em 3 ou 4 alternativas, faz-nos ver a miríade de ligações que temos a este pequeno e velho país.

Mas as 100 escolhas acabam por ter várias surpresas, quer pelas figuras que incluem, as suas posições relativas e alguns excluídos. Ainda no sábado, o programa começou de forma que me pareceu adequada, apresentando várias concepções do que será um grande português. Imagino que a maior parte das pessoas acaba por ter duas concepções, uma sua e outra sobre o que imagina que terá sido adoptada pela maior parte dos votantes. E um grande português ou é/foi alguém que teve um grande relevo, mesmo que pela negativa, ou então alguém que, mesmo que com um protagonismo modesto, distinguiu-se através de feitos notáveis. Aos primeiros associa-se uma imagem de poder, aos segundos uma de virtude, sacrifício, coragem ou talento.

Onde não esperava surpresas era na (não) inclusão de compositores nesta lista. Se bem que nunca tivemos um vulto ao nível de um Bach, de um Mozart ou de um Beethoven, figuras como João Domingos Bomtempo, Carlos Seixas, Joly Braga Santos, Vianna da Mota, João de Freitas Branco ou Fernando Lopes-Graça poderiam ter ganho uma distinção internacional bastante interessante caso tivessem nascido no país certo. Já a inclusão de António Vitorino de Almeida ou Carlos do Carmo parecia-me natural, independentemente de ser justa ou não, pelo que estranho um pouco as ausências, atribuindo isso aos seus menores protagonismos mediáticos no presente. Se a distinção de Zeca Afonso seria mais ou menos inevitável, já Carlos Paredes, menos politizado, obtém uma boa classificação que considero bem mais relevante e justa.

Na áreas da ciência e medicina fiquei relativamente surpreendido com algumas escolhas. Não com a presença de António Damásio, que tem vendido bem por cá, apesar de supor ser pouco lido, nem de Egas Moniz, pelo seu prémio Nobel. Mas foi uma relativa surpresa ver a inclusão de Gentil Martins, Fernando Nobre ou Sobrinho Simões, imaginando que o “estigma” de salvar vidas causa uma forte impressão em muitas pessoas. Na área científica, e tendo em conta precisamente que não havia áreas obrigatórias a preencher, a grande surpresa foi mesmo Pedro Nunes. Mais de 5 séculos depois do seu nascimento e ainda mais na área da matemática, esta distinção parece contrariar a descrição dos portugueses como nem tendo memória nem qualquer apreço pelo raciocínio rigoroso.

A área da poesia é bastante curiosa. Num total de seis escolhas, metade foram para mulheres, com Natália Correia, Florbela Espanca e Sophia de Melo Breyner. Contudo, nos homens muitos poetas ficaram tapados por concorrentes bastante pesados como Camões e Pessoa, nos 10 mais, e ainda Bocage. Já a literatura ficou apenas a cargo de homens, com Eça de Queiroz, José Saramago, Miguel Torga, António Lobo Antunes e Almeida Garret. De todos, apenas considero o Eça indiscutível, podendo ser incluídos vários outros em substituição sem perda de qualidade. Em termos alargados, também poderíamos incluir nesta categoria Gil Vicente e Fernão Mendes Pinto, se bem que a sua relevância tenha também muito a ver com as vidas que viveram.

Entre reis e rainhas penso que ficaram bem assinalados os marcos fundamentais da nação lusa, desde a sua fundação com D. Afonso Henriques até a queda da monarquia com D. Carlos I. Na eleição de augustas pessoas é sempre difícil separar as verdadeiras personagens das alturas históricas em que se inseriram, e o voto pode ter uma representação bem mais simbólica do que real. Contudo, as personagens escolhidas mostram que ainda existe um certo conhecimento da longa história do país, dos seus altos e baixos.

Já as classificações no desporto são relativamente modestas. Todas, sem excepção, Carlos Lopes, Rosa Mota, Cristiano Ronaldo, Figo, Eusébio e até Mourinho. Até Eusébio e Mourinho podiam estar nos 10 mais. Porque razão não estão? Penso que, por mais admiração que ganhem estas figuras, numa análise mais ponderada o desporto acabará por ser visto como uma área de uma certa futilidade comparada com outras.
Penso que não será necessário explicar as razões não considerar Vitor Baía e Pinto da Costa escolhas resultantes de méritos desportivos.

A escolha dos políticos parece-me bastante inclusiva. O facto de ser uma votação pela positiva possibilita a inclusão de todo o tipo de figuras contraditórias. Duas notas de alguma estranheza, a não inclusão de Ramalho Eanes, algum destaque para José Sócrates e a presença de Jorge Sampaio. Sem dúvida que o actual primeiro-ministro causa fascínio em muitas pessoas, mas parece-me incompreensível que alguém tenha votado em Jorge Sampaio. Já o reconhecimento de Fontes Pereira de Melo parece-me justo se bem que pouco esperado, tal como não esperava encontrar o empresário Alfredo da Silva mas apenas António Champalimaud e Belmiro de Azevedo.

Talvez a maior surpresa seja a lista dos 10 mais. Claro que à medida que o programa ia decorrendo fui percebendo quais seriam alguns dos eleitos. Mas à partida as figuras que não teria dúvidas, das presentes, seriam Salazar, D. Afonso Henriques, Camões e o Marquês de Pombal. Não por serem as minhas escolhas, mas por intuir que seriam algumas das mais votadas. A inclusão de Fernando Pessoa, Vasco da Gama e Álvaro Cunhal não me surpreendeu por aí além, mas esperava antes figuras como Amália, Mário Soares ou mesmo Eusébio. Penso que há aqui também um efeito que penalizou estes últimos quando muitos não votaram neles pensando que já estavam garantidos. A presença de Aristides de Sousa Mendes é realmente inexplicável, não porque não merecesse o reconhecimento mas por me parecer incrível que este país o tenha feito.

De resto, os “10 mais” representam 4 símbolos, 4 pregos que nos agarram a esta cruz que é ser português. A fundação do país com D. Afonso Henriques, o auge dos descobrimentos com D. João II e o Infante D. Henriques, a esperança num salvador e o renunciar à liberdade com três reencarnações do D. Sebastião: Marquês de Pombal, Salazar e Álvaro Cunhal. Por fim, os dois maiores poetas cantam as glórias e as tragédias de Portugal.

É um exercício de alguma futilidade eleger o maior português de sempre. Imagino que o efeito de catarse obtido pelo desfilar dos 100 eleitos, que é um processo em grande parte inclusivo e despido de confronto, vá agora dar lugar ao espírito de barricada pela a eleição do “maior”. Alguma ténue esperança que se possa ter pelo futuro deste país é alimentada por ver que ainda há algum reconhecimento por outras figuras como o Padre António Vieira, Agostinho da Silva ou José Hermano Saraiva.