quarta-feira, setembro 13, 2006

Apenas uma escolha


Chego a uma conclusão, nada pensada mas sem ser por isso menos verdadeira. Apenas há um filme, dos milhares a que assisti, que realmente valeu a pena ser visto. Não quer isto dizer que não devia ter visto todos os outros, alguns não, certamente, mas apenas cumpriram uma função momentânea que, visto à distância, era perfeitamente dispensável. Corrigindo, não falo de um filme mas de uma trilogia, aliás, duas. Refiro-me a Star Wars.

O sucesso de um filme ou de outra coisa qualquer deve-se naturalmente às necessidades que conseguiu preencher, nem que seja por um período de tempo muito curto. Star Wars não é excepção. Já os antigos gregos sabiam que uma narrativa tornava-se interessante criando tensões que prendiam o público à necessidade de as ver resolvidas. Situações de risco, injustiças, invejas são ingredientes para criar uma encenação entre o bem e o mal. Também é possível criar uma tensão amorosa ou sexual. E um toque de humor é essencial para que tudo não seja um contínuo dramático que se tornaria demasiado angustiante. Estas fórmulas já foram repetidas vezes sem conta, conduzindo frequentemente a resultados que nos levam à náusea. Mas ainda assim os mais talentosos conseguem fornecer produtos eficazes.

Star Wars começa logo por ser um pouco mais rebuscado, porque se envolve com uma carga mitológica quase subliminar. Além disso a acção é logo situada à partida num tempo e num espaço que nada tem a ver com o nosso. Não há pormenores comezinhos a distrair, nenhum dos cenários nos fará lembrar a nossa escola de infância ou o local de trabalho, no máximo apenas um local exótico onde passamos férias. Somos convidados embebermo-nos na essência e não no acessório, exactamente o oposto do que acontece habitualmente.

Mas tudo isto é irrelevante se não existir uma questão fundamental a suportar tudo, podendo existir várias outras em paralelo de menor dimensão para conferir maior riqueza à narrativa. As questões menores são as criadas pela própria estória em si e terão de ser resolvidas a bem do contento do público, isto é, as injustiças têm que ser reparadas, os amores têm de ser consumados e o bem tem que triunfar sobre o mal. Mas a questão fundamental nunca poderá ser respondida e precede o próprio filme, que apenas lhe serve de caixa de ressonância. O que é a transcendência? A meu ver tudo se resume a isto, a uma temática quase religiosa. Não se trata de melhorar uma determinada situação mas sim passar a um plano da existência completamente distinto, que torna toda a comparação sem sentido. É apenas dado um vislumbre do que é esse plano, os mestres falam por enigmas mas avisam-nos que o risco é grande, existe o lado negro da Força, tentador, rápido.

Não se trata de uma simples luta do bem contra o mal porque neste caso tudo é interior ao indivíduo, que lhe é revelado o segredo de tanto poder vir a tornar-se anjo como demónio. Importa não fechar a questão porque ela em nós também se mantém sempre em aberto. Aliás, a importância que dou ao filme é precisamente por achar que ajuda a ter consciência que nunca se deverá fechar. É de nos alertar que corremos constantemente o risco de sermos infiéis a nós mesmos e um dia ultrapassarmos o ponto de não retorno