terça-feira, novembro 25, 2003

Serviço público (2)


Illustração Portugueza foi uma revista semanal lançada pelo Jornal O Século há cerca de 100 anos atrás. Transcrevo aqui, em duas partes, um artigo publicado nesta revista datado de 1906, por F. Neves Pereira, que relata a vida dos minhotos. É uma vida dura mas que talvez não difira muito daquela que se tinha há umas poucas décadas atrás fora das cidades.


Como vive e de que vive o lavrador do Minho (1ª parte)



O alimento d’este casal de noivos pobres reduz-se a pouco mais do que a caldo e pão. O homem que trabalha da aurora até à noite, a mulher que o acompanha na sua lida incessante, comem menos do que as creanças da cidade. E attentae na mulher. Se a gravidez a não deformou já, é uma mocetona corada e jovial, de larga bacia fecunda, de aflantes seios, de roliços braços de trabalhadora e de amorosa. O homem é musculoso e rijo. Ambos cantam emquanto sacham. Nenhuma tristeza perturba esse casal pacifico e laborioso. Gosam amplamente as duas saúdes humanas: a moral e a physica, de cuja união resultam as felicidades perfeitas. O trabalho é o seu regímen moral. Vae ver-se em que consiste o seu regímen alimentar, base da saude do corpo.

O caldo d’estes trabalhadores infatigáveis reduz-se a algumas couves gallegas, apanhadas na horta, a alguns feijões – poucos, porque são caros – e um magro fio de azeite como adubo. O pão é de milho e centeio, cozido em grandes fornadas de dois ou três alqueires… para durar, tornar-se rijo e render mais! O cozer pão a miúdo é prejudicial á economia. Come-se mais emquanto é fresco e quantas mais vezes se acende o forno mais lenha se consome! Raras, muito raras vezes, á merenda, comem os lavradores, como presigo, uma sardinha. De longe a longe, quando o sardinheiro as vende a mais de 5 ao vintém, a mulher aventura-se a gastar dez réis n’esse luxo superfluo! Quando se diga que um quartilho de azeite, que nas aldeias do Minho póde custar seis ou sete vinténs, dura a um casal pobre de 15 dias a um mez, ter-se-ia completado o quadro impressionador da espantosa economia minhota.

Annos há, porém, em que o pão escasseia, a arca se esgota, e o preço do alqueire de milho sobe, como há quatro annos, acima de oito tostões. Então o lavrador passa a comer pão de centeio e semeia batatas para substituir o thesouro alimentar da boroa de milho. Á salgadeira – os que a teem – vão apenas pelas festas do anno: o Entrudo, a Paschoa e o Natal, ou em dias de trabalho extraordinário, quando não podem de todo em todo, sósinhos, grangear as terras, e rogam o auxilio dos visinhos, que vêem ajudar, só pela mantença.