A era da arrogância (3)
Todas as eras são de arrogância porque esta é uma característica humana que não é possível extinguir mas, talvez, apenas prevenir. O tempo actual não escapa, mas é sempre mais fácil pela perspectiva temporal identificar as arrogâncias e fanfarronices passadas do que as nossas. O meu palpite é de esta ser uma época da arrogância moral não definida ou espartilhada.
Actualmente não há uma moral dominante nas sociedades laicas contemporâneas. Antigos valores estão esquecidos, mal compreendidos ou mal aplicados. Este vácuo deixa, no entanto, uma liberdade para cada um para criar os seus próprios valores, tal como Nietzsche preconizava para o super-homem. Mas tal não acontece, porque se anteriormente cada indivíduo era quase obrigado a adoptar a moral vigente, hoje em dia é fortemente encorajado a adoptar uma das que estão à disposição. Mas nunca a criar a sua moral, ética ou sistema de valores.
Quase que se pode dizer que se vendem morais. Vendem-nas os partidos, especialmente os mais à esquerda ou à direita. Vendem-nas os sindicatos, os grupos ecologistas, os movimentos sociais organizados tanto revolucionários como conservadores. Não as vendem a troco de dinheiro mas em troco do acreditar, do tomar partido, do obedecer. São morais que parecem não sobreviver por si sós, que necessitam da expansão permanente ou pelo menos da renovação dos indivíduos. Mas Zaratrusta dizia que só quem o renegava era seu autêntico seguidor, aqui temos o oposto, a necessidade de seguidores. Ter uma moral é um engrandecimento da pessoa que antes deambulava perdida. A pessoa retribui com lealdade. E daqui nasce a arrogância face ao exterior.
Mas estas são as arrogâncias exteriores. Também temos as interiores. Com a morte do cristianismo abriu-se a liberdade para novas procuras espirituais. É certo que o Portugal católico sempre conviveu com todo o tipo de crendices populares, mas tudo se passava de forma complementar. Agora há a redescoberta da procura interior, começando pelos próprios místicos cristãos da antiguidade e os templários. Toma-se contacto com os antigos inimigos, com o judaísmo e o islamismo. Abrem-se as consciências a novas religiões e filosofias – sufismo, budismo, tauismo, zen, yoga, hinduísmo. Procura-se também a salvação em esoterismos ou nos livros de Paulo Coelho.
A nova vaga de espiritualidade no ocidente não é na sua essência arrogante. Mas o ocidental vê muitas vezes a sua aproximação ao mundo espiritual como uma ida ao supermercado, em que escolhe hoje isto por ser o mais vistoso e, se não gostar, amanhã volta e leva outra coisa qualquer. Por vezes entrega-se sinceramente, mas não tem uma orientação capaz. E há os que seguem firmemente, mais confiantes, sentindo-se superiores. Mas nada há de mais perverso que nos acharmos superiores. Em que todas os nossos actos são possíveis de justificar através das faltas dos outros. E facilmente se dissimula o neo-sábio, com um sorriso de desprezo paternalista e retórica universalista bem expressiva.
Não há nada melhor que sentirmo-nos inseguros e ver que estávamos errados. Se face à nossa arrogância nos sentimos desprezíveis, então, ainda há alguma esperança.
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