quinta-feira, novembro 27, 2003

Serviço público (3)


Aqui fica a segunda parte do artigo de F. Neves Pereira, publicado na Illustração Portugueza em 1906.


Como vive e de que vive o lavrador do Minho (2ª parte)



Uma familia de lavradores minhôtos que, não satisfeita com as dadivas generosas da terra: pão, batatas, hortaliça, frueta e lenha, gasta em alimentação, vestuário e demais necessidades da vida para cima de dez tostões por mez, ou é rica ou está perdida!

Parecendo á primeira vista impossível que tão insignificante quantia possa chegar ao custeio de uma casa, verifica-se, em face de um ligeiro orçamento, que ella é suficiente e não é mesmo attingida as mais das vezes.

O exíguo orçamento de um casal de lavradores no Baixo-Minho póde resumir-se, para as primeiras necessidades, a quatro verbas únicas e modestíssimas:

Azeite………… 240 réis
Sardinhas……. 100 »
Sal……………. 20 »
Sabão………… 60 »

Ou um total de 420 réis!

Ficam de fora as despezas de vestuário. Uma andaina de roupa para homem, que póde custar aproximadamente 8$000 réis, dura entre 5 a 10 annos. Quasi sempre descalço, o lavrador não chega a romper por anno um par de tamancos. O chapéu, que custa entre seis a dez tostões, serve apenas nos dias de feira ou de romaria. No serviço, o lavrador usa a carapuça de lã no Inverno e o chapéu de palha, de vintém, no verão.

A parte o ouro que compram com as economias do casal e que, como o gado, é considerado fortuna commum, as mulheres gastam ainda menos que os homens! Duas saias de chita clara, dois aventaes com barras de velludilho, um colete de riscado cós de rosa com guarnições de fitilho preto, um lenço farto para o seio e mais dois para a cabeça, são objectos que as mais pobres adquirem apenas duas vezes na vida: quando noivas e quando, mais tarde, casam o primeiro filho! As mais abastadas compram de dez em dez annos uma saia de baeta crepe, de anno a anno um lenço de seda, de dois em dois annos umas chinellas de verniz. São as pródigas.

Roupa branca, lencóes, toalhas e ainda as calças de uso dos homens sahem do linho, da estopa ou dos tomentos da teia fiada em casa. Em noites de luar, as mulheres fazem o seu serão á porta, economisando a luz.

A própria doença parece respeitar esse culto sagrado da economia dos lavradores do Minho. Mata-os a velhice. Quando entram na agonia, a família manda chamar o padre para os confessar e ungir. Depois do padre vem então o medico, que raro receita e as mais das vezes chega a tempo de verificar o óbito.

E assim morrem economicamente, como economicamente nasceram e viveram…