Profissionais do Ódio (1)
O amor é a fonte da vida, o que dá sentido às nossas existências. Escritores, poetas, realizadores, artistas inspiram-se no amor para criar as suas obras mais belas. O comum dos mortais pode fazer o acto mais heróico por amor. O amor é a esperança e também a salvação. É o que de mais precioso temos… ou não? Pensando melhor, o ódio é muito mais importante e abundante.
Os ódios, nas suas muitas variações que suponho existirem, são umas das fontes que mais energia dão às pessoas. Pode não haver paciência, vontade ou tempo para estar com família, amigos, companheiros, amantes mas há sempre tempo para dedicar aos inimigos. Amor e ódio não são necessariamente as duas faces da mesma moeda, já que podem existir um sem o outro. Mas, por vezes, grandes ódios só são possíveis na presença de grandes amores.
Um dos poucos locais onde ainda se pode encontrar amor sincero é no mundo do futebol (de certo não seria no casamento…) É certo que é difícil ver este amor nas televisões e jornais, apenas virados para a desgraça. É necessário acompanhar um adepto sincero ao estádio num dia de jogo (tenho um post previsto sobre este assunto). O que se assiste com muita facilidade é a manifestação de ódio contra outros clubes e respectivos dirigentes, técnicos, jogadores e adeptos. Para quem está de fora, ficará com a ideia que alguém é adepto de um clube apenas para ter pretexto para odiar todos os outros, em especial os grandes rivais.
Mas será isto uma inevitabilidade, um defeito do futebol e dos portugueses que conduz a este estado deplorável? Em parte, acredito que sim, mas há culpados a quem se pode apontar o dedo. Indo contra o que é norma neste blog, irei “fulanizar” já que é impossível escrever sobre este assunto sem mencionar um nome: Jorge Nuno Pinto da Costa (PC), presidente do Futebol Clube do Porto (FCP). Muitas vezes diz-se que falar das pessoas, mesmo que mal, só lhes dá importância. Mas não irei utilizar o insulto fácil.
PC é um autêntico Profissional do Ódio, com um estilo muito próprio e inconfundível. Acima de tudo, foi bastante eficaz na sua actuação, que tem, no entanto, duas vertentes. A primeira vertente é reconhecida por todos, a de ter dado ao FCP as vitórias desportivas e a supremacia no futebol nacional. Poder-se-á ir pelo caminho fácil e tentar desvalorizar os sucessos desportivos do FCP, alegando terem sido mais fruto de demérito de adversários ou de arbitragens tendenciosas. Mas como benfiquista que sou, não me custa reconhecer que as vitórias do FCP foram fruto de muitas circunstâncias, mas acima de tudo foram devidas ao mérito e nisso PC foi uma peça preponderante.
Mas a actuação de PC tem uma vertente bastante mais negra. PC utilizou em permanência a vitimização, os ataques pessoais, a desvalorização dos adversários e se, possível, a sua humilhação. Começou por fazê-lo com um humor de Chico Esperto, irónico, que muitos desvalorizaram e acharam não ir dar frutos. Mas persistentemente, PC nunca desistiu, e com as primeiras vitórias a comunicação social deixou de o tratar como um bronco e passou a tratá-lo como um iluminado. Actualmente, PC é a única pessoa a quem os jornalistas mostram um servilismo total, sem nunca o contradizer ou fazendo perguntas difíceis. E quando o entrevistam pessoalmente quase apresentam temor, como se estivessem presentes frente a um ditador irascível de poderes ilimitados.
Estas duas actuações de PC confundem-se muitas vezes, porque PC humilha os adversários para os poder vencer, mas também os vence para os poder humilhar. E isto os adeptos do FCP parecem não entender. Não percebem que a animosidade que existe contra o FCP não se deve a inveja pelas vitórias deste clube, que apenas afectam os espíritos fracos. O que repugna ao verdadeiro adepto é ver o seu clube desvalorizado, fruto de chacota e mentiras.
A actuação de PC baseia-se muito na transmissão. PC sabe que as suas palavras de ódio refinado não morrem, irão ser repetidas, recriadas, motivo de conversas de café e locais de trabalho. Os jornalistas dão-lhe projecção e mesmo muitos que não gostam de futebol lhe dão crédito. Mas PC criou um estilo que consegue sobreviver sem ele. O país encheu-se de Pintinhos da Costa, seus clones mentais, engraçadinhos de ironia idiota e sempre visando a humilhação dos adversários. A actuação de PC e do seu esquema de propaganda é tão eficaz que mesmo benfiquistas e sportinguistas se deixam levar por ele, e começam a criticar os seus clubes de forma puramente destrutiva e desmoralizadora. Ao mesmo tempo, o FCP fecha-se como se fosse um clube de bairro e isola-se das pressões exteriores. As bocas que fazem ao FCP de controlarem os árbitros só dão força ao grupo, que vê em qualquer pequena crítica uma justificação para as suas pretensões a vítimas ou mártires, reforçando assim o espírito de grupo.
Mas o estilo de PC tem as suas desvantagens. O ódio necessita sempre dos adversários e mesmo com todas as vitórias que possam ter, o FCP passou a viver em função dos seus rivais e da comparação constante que faz com eles. Este espírito medíocre prejudica todos os clubes, que aos poucos deixam de ser locais de amor para passarem a ser locais de ódio. As inaugurações dos novos estádios foram sintomáticas. Em Lisboa, benfiquistas e sportinguistas fizeram as festas, com as habituais provocações, as críticas ao maior ou menor destaque dado a um ou a outro, mas sempre na civilidade de quem convive diariamente ao lado do inimigo. A inauguração do Estádio do Dragão, um nome infantil (imaginem o que não se diria se em Lisboa se tivessem inaugurado o Estádio da Águia e o Estádio do Leão), ocorreu em clima constante de competição. Aos adeptos do FCP parecia não bastar terem um estágio novo e bonito (?), a toda a hora falavam do Benfica. Para quê? Quando inaugurou a nova Luz não me lembrei uma única vez dos adversários.
Mais grave que as polémicas do futebol, são os efeitos que transbordaram para o exterior. O futebol conseguiu criar a guerra entre o norte e o sul, entre Lisboa e o Porto. Talvez essa guerra tivesse que existir algum dia, uma vez que as diferenças entre o norte e o sul são muito grandes. Não é agradável dizer isto, mas num país em que os Profissionais do Ódio dão cartas, o que nos separa passa a ter muito mais relevância do que aquilo que nos une.
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