terça-feira, março 23, 2004

Confrontando o desemprego nos olhos


Um homem de meia-idade abordou-me na rua. De ar saudável e vagamente bem vestido, imaginei que me fosse perguntar pela localização de alguma rua. Disse-me que estava desempregado e pediu-me uma pequena ajuda. Pedi-lhe desculpa e saí dali o mais rápido possível. Queria mesmo ajudá-lo mas uma insuportável agonia afastou-me. A pessoa em causa tinha um ar humilde e percebi que não era um pedinte por opção. Uma imensa sensação de vergonha invadia-lhe o rosto, como se a sua dignidade tivesse sido roubada. Num instante, passou-me pela mente a vida hipotética daquele homem, que sempre deve ter trabalhado e tido uma vida normal e agora devia estar só e sem emprego. De forma cobarde, não o ajudei e passei por mais um que não sabe o que é a compaixão.

Durante todo o dia fiquei constrangido ao pensar no drama daquele homem. Mas também me veio à mente os recentes cartazes do PS. Depois dos ataques infantis a Pedro Santana Lopes, o PS mudou de estratégia, com a ideia dos cartões amarelos ao primeiro-ministro. A ideia não me convence, e parece-me idiota e pouco original. Mas ainda assim parecia-me uma evolução positiva e talvez um indício do PS estar no bom caminho, por finalmente estar a fazer oposição tocando em pontos fracos do governo, como a perca do poder de compra, a saúde e o desemprego. Claro que é sempre uma questão de falta de gosto, uma vez que o PS é um grande responsável por estas situações. No entanto, aquilo que até me parecia ter algo de positivo, depois de me ter confrontado com o homem desempregado, passa a ser completamente repugnante. Não são os cartazes com um cartão amarelo, friamente pensados por uma equipa de marketing, que vão resolver os problemas. E num repente, pareceram-me apenas uma utilização nauseabunda das dificuldades alheias.

Fez isto me lembrar de outra ocasião, há uns 2 anos atrás, quando fui a um hipermercado e me pus a comprar muitos CD sem olhar ao que gastava. Na fila para pagar, um surto raro de clarividência invadiu-me e apercebi-me da futilidade em gastar tanto dinheiro, quando não tinha quase tempo algum para ouvir os CD. Olhei então para as pessoas que estavam à minha frente. Um casal jovem com um filho bebé. As suas roupas eram pobres, gastas e as suas comprar parcas, quase tudo para a criança. Era evidente que passavam algumas dificuldades e cada euro era bem contado. Estive mesmo para me oferecer para pagar a despesa deles, muito menor que a minha em coisas supérfluas. Mas receei ser mal entendido. Mais uma vez acobardei-me. Não devia ter tido medo de ser mal entendido. Devia ter subido para cima de uma caixa e gritado para o hiper inteiro: «Se vos perguntarem, vocês dirão que a vida está cada vez mais difícil e tudo está muito caro. No entanto, enchem os carros com coisas disparatadas que não vos fazem falta alguma. Deviam ter vergonha de vós mesmo, assim como tenho vergonha de mim. Este jovem casal sabe o que é passar dificuldades, não falem em nome deles.» Mas é mais fácil falar aqui…