De volta à ilusão (2)
Serve este post para mostrar a minha total discordância pelas afirmações sobre o Euro 2004 e o comportamento dos portugueses. A “versão oficial” diz que os portugueses se encontraram durante 3 semanas alheados da realidade, anestesiados, a viver numa ilusão que, infelizmente, não se concretizou na sua totalidade com a derrota na Final.
Penso, pelo contrário, que estas três semanas constituíram um despertar de grande parte dos portugueses. Obviamente que não se trata do despertar espiritual na sua plenitude, no entanto, contém alguns dos seus elementos. Existe o elemento da transcendência, do entregar-se a algo que não está seguro. Existiu também o vivenciar do aqui e do agora, e apesar dos objectivos serem comuns a quase todos, isso implica um sentimento íntimo distinto para cada pessoa.
Quando se diz que os portugueses andaram anestesiados isso significa que não andaram tão tristes, negativos e pessimistas como de costume. Mas serão os portugueses mesmo um povo condenado a um pessimismo e tristezas infindas? Na verdade, penso que os portugueses são muito teatrais. Fingem tristeza, pessimismo, o sofrimento de maleitas sem fim, mas acabam sempre por se rir e a contar anedotas. Falta-nos acreditar que é possível ir mais além, e talvez tenha sido essa a novidade do Euro 2004, onde de facto fomos mais além e se acreditou.
Os nossos observadores de pedestal fizeram notar que os noticiários apenas falavam de futebol, eclipsando as outras notícias, e o povo se entupiu de futebol esquecendo tudo resto à sua volta, nem reparando na “crise” política em vigor. O que mais me repugna nestas “observações” é virem de pessoas que de observadores nada têm, porque apenas têm contacto com os seus iguais, lançando olhares fugazes para tudo o resto, comentando de forma estereotipada e com ares superiores. Falam do povo, mas não conseguem compreende-lo, porque sempre se esforçarem para dele serem diferentes. E nem por um momento têm a coragem de pôr os suas ideias à prova, com uma simples análise lógica.
Será possível alguém minimamente são ter passado 3 semanas a pensar apenas em futebol? Não reparei que alguém tivesse deixado de trabalhar à minha volta, o trânsito continuou a circular, ninguém deixou de fazer o que antes fazia. E será que o facto das notícias serem dominadas pelo futebol significou perder algo? Pior que não ter informação é ter má informação, como acontece por cá, onde as notícias não passam quase de propaganda “anti-qualquer-coisa” ou “pró-qualquer-coisinha”.
É certo que o Euro 2004 foi uma má altura para os Profissionais do Ódio, como em tempo os chamei. Numa altura em que se vive um ambiente positivo, torna-se complicado os apelos a lutas obscuras, à convocações do ódio, da raiva mal dirigida e das invejas. Para os que sobrevivem destas misérias humanas é sempre triste ver que não há terreno para as suas sementes malignas.
O Euro 2004 foi uma boa experiência, e algo semelhante de certo não se irá repetir durante as nossas vidas. Mas não nos iludamos. Foi apenas um campeonato de futebol, e nunca nenhum país deu um salto fenomenal por ter realizado algum. Mas a extraordinária mobilização humana que ocorreu talvez nos possa dar pistas para outras realizações, talvez mais modestas mas de maior frequência.
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