segunda-feira, julho 12, 2004

O que há em excesso e em falta na blogoesfera


Começo aqui a minha cruzada pela evangelização da blogoesfera. Já era tempo de termos alguém que desse concelhos de Índole moral neste mundo sem lei. Por isso, decidi elaborar uma pequena cartilha, sobre o que de há em excesso e em falta na blogoesfera. O seguimento dos mandamentos aqui enunciados é garantia de sucesso blogoespiritual.


EM EXCESSO

Política – A política é importante, não há dúvida. Pessoalmente, aprendi mais sobre política num ano a ler blogs do que no resto da minha vida. E não posso dizer que andasse desatento. Mas aqui encontram-se muitos artigos de qualidade, factos e, talvez o mais importante, visões que normalmente se encontram censuradas nos media. Contudo, a política aparece em excesso. Alguns bloggers vêm em todo e qualquer assunto um pretexto para falar de ideologia, para atacar adversários políticos. Isso conduz também uma dramatização excessiva, em que se apregoa uma catástrofe eminente a cada espirro. Será muito curioso ver, daqui a algum tempo, já com alguma frieza, as opiniões expressas em tantos blogs confrontadas com os factos. Ninguém vai aprender nada com isso, mas mais ser divertido.

Poesia – Se há blogs que vêm política em tudo, outros apenas vêm poesia. Na verdade, é espantoso ver a quantidade de poesia que “anda” em blogs comparada com as vendas baixíssimas de livros do género. Confesso que a poesia só me toca se tiver algo de universal e visceral. Se for algo muito pessoal, ligado a uma tristeza mole e sem dela querer sair, não me diz nada. Claro que a liberdade de cada um escrever aquilo que quer é sagrado. Mas acho que a poesia deve ser como o sal, q.b., e usada em excesso torna tudo ensosso (afinal, não é como o sal).

Paciência – Isto é uma provocação. Se formos fazendo zapping por vários blogs aleatoriamente encontramos muitos posts exaltados, indignados. Criticam, pedem coisas, recusam outras, ameaçam. E qual o resultado disto? Nada! É só fogo de vista, um teclar de pantufas com comando de televisão ao lado. Só posso concluir que são pessoas com muita paciência, caso contrário já se tinham organizado, criado associações, tentado erigir projectos alternativos.


EM FALTA

Autocrítica – Não se trata de um problema exclusivo dos blogs. É um defeito de uma cultura afrancesada, em que a estética das palavras supera o seu sentido. Muitos bloggers já têm adoptado uma dinâmica mais anglo-saxónica, com bastante mais vida, mas se vivemos tempos de globalização, porque não explorar outras possibilidades que nos podem dizer muito mais? Passando este à parte, é raro encontrar autocrítica na blogoesfera. Mas quem não faz uma avaliação rigorosa do que disse é porque também não se leva muito a sério.

História e estórias – Talvez fossem as duas coisas que mais enriquecessem a blogoesfera e a tornassem mais humana. É raro encontrar uma estória interessante, clara, directa, real ou ficção. Fácil é encontrar pessoas que saibam escrever bem, mas contar uma estória implica ter outras capacidades, outros talentos. Por outro lado, muitas vezes tem-se a impressão, ao ler muitos posts, que o mundo começou ontem, porque o esquecimento do passado é enorme. Também, alguém já tinha dito que a História só servia para cometer os mesmos erros de formas mais imaginativas.

Interacção criativa – A blogosesfera é um conceito meio incerto. Alguns ainda tiveram o ensejo de marcar uma agenda, pela qual todos os blogs seguiriam. Obviamente que tal nunca sucederia num local de liberdade. A escrita de um blog é coisa solitária, mesmo quando os blogs pertencem a várias pessoas. Os sistemas de comentários abrem um pouco o círculo, e percebe-se que existem várias esferas. Essencialmente os leitores de blogs e quem os comenta são também eles mesmos bloggers. É como se formassem pequenas comunidades, com frágeis ligações que se podem romper com facilidade. Quando digo que falta interacção criativa penso que cada blog está, em geral, demasiado fechado sobre si mesmo, só se abrindo para tentar rebater argumentos ou para apoiar os seus. Mas daqui nada novo surge. Não sei se existe alternativa, se é possível esbater as fronteiras entre blogs. Sem empatia será difícil.