O fim do mundo
Acordar com a televisão ligada pode-nos deixar amargurados para o resto do dia, mas também mais sensibilizados. Três notícias em catadupa, o furacão Ivan com um rasto de destruição, fome em África e a execução de um prisioneiro no Iraque. Coisas que nos pedem para aceitar a vida, mas também coisas que nos fazem tomar partido, ficar mais sensibilizados ou talvez irracionais (nem sempre é possível saber a diferença).
Os fenómenos climatéricos extremos são coisa estranha para nós, portugueses. Podemos passar muito frio e muito calor, mas é sempre dentro dos limites suportáveis. Não há tempestades tropicais, furacões, monções, tufões, tsunamis. Uma chuvada mais intensa é logo pretexto de uma reportagem na TV. Por isso, não consigo ter bem a noção do que está a ser a passagem do furacão pelas Américas. Há a sensação que, para além de fugir e preparar a reconstrução, pouco há a fazer. Com o clima não se negoceia, aceitasse porque outra alternativa não é possível.
Fome em África, as chuvas dificultam as colheitas no Mali, que até já chegou a ser um exportador para outros países. Comunidade Europeia, EUA, Austrália, subsidiam o seus já razoavelmente abastados agricultores, impedindo que os agricultores africanos possam entrar nos nossos mercados. O desenvolvimento de vários países africanos poderia passar por aqui, sendo esta uma das poucas áreas em que poderiam ser competitivos. Tal iria aumentar a riqueza do país, atrair mais investimento (se forem criadas outras condições estruturais), e o desenvolvimento poderia estender-se a outras áreas, ficando-se menos dependente das imprevisibilidade que a agricultura é. Poderia ser também um exemplo para outros países vizinhos, que agora se preocupam mais em guerrear. Lutar contra a pobreza não é dar ajudas pontuais, que nada alteram. Todo um continente fica suspenso pelo egoísmo dos governos dos países ricos, que tomam medidas anti-liberais quando isso é popular. O egoísmo de todos nós...
Encapussados tem à sua frente um refém de joelhos, de olhos vendados. Depois de dizer algumas palavras, o refém sobe e desce os ombros várias vezes de forma involuntária, denotando que está a chorar por saber que a sua morte está eminente. E a morte acontece, finalizando o vídeo com a imagem da cabeça arrancada ao corpo, ensanguentada. Não escondo que naquele momento a minhas vontade foi de matar com as minhas mãos os executores bárbaros. Penso no tempo que as pessoas perdem com teorias da conspiração, a culpar as vítimas, a buscar explicações quando fogem de todos os factos ocorridos.
Estou longe de estar convencido que uma intervenção no Iraque foi justificada. Menos convencido ainda estou de que foi injustificada. Sei que só daqui a alguns anos as mentes irão acalmar o suficiente para se ter uma visão mais objectiva da situação. Sinto que as pessoas não querem combater o terrorismo. Claro que não querem terrorismo, mas opõem-se sempre ao seu combate (excluo daqui algumas figuras da nossa praça que dão todo o ar de gostarem do terrorismo, por razões ideológicas). Terroristas que não se importam em dar a sua vida causam uma sensação de impotência. São um inimigo sem rosto que não provoca união. Pelo contrário, a tentação é ceder para se ser poupado. Dão-se explicações ingénuas, que são as acções ao longo do tempo dos EUA que causam o terrorismo. Pelo meu ponto anterior, percebe-se que os países africanos teriam muito mais razões para odiar o ocidente que os islâmicos. Mas é uma explicação que agrada aos europeus, porque os faz sentir-se mais seguros. Preferem ignorar que os propósitos da al-Qaeda já são conhecidos há alguns anos e não visam os EUA especificamente. Pelo contrário, todo o mundo ocidental é condenado, bem como a maior parte dos governos islâmicos.
Apesar de tudo, muito se fez para lutar contra o terrorismo .As regras de segurança aumentaram, os serviços secretos estão mais atentos. As intervenções militares americanas destituíram um ditador e puseram em fuga terroristas assumidos. Mas todas estas acções são limitadas na sua eficácia, havendo dúvidas se as intervenções militares não terão sido contraproducentes. Talvez tenham servido para evitar mais ataques eminentes, porque não aconteceu mais nenhum nos EUA e provas desportivas como o Euro 2004 ou as últimas olimpíadas decorreram na normalidade (alguns argumentam que os terroristas estão tão ocupados no Iraque que o resto do mundo tem os eu balão de oxigénio).
Mas o ímpeto terrorista não parece ter diminuído. A longo prazo, não é com intervenções militares constantes nem com maior policiamento que se conseguirá ser eficaz contra o terrorismo. Apenas o carácter das pessoas é a única arma que pode ser utilizada com sucesso. Paciência, coragem, firmeza e flexibilidade, racionalidade, intuição, dúvida permanente. No entanto, o que vejo alastrar é a cobardia, as certezas absolutas baseadas na irracionalidade, no medo e no ódio, a xenofobia, e uma certa falta de gosto pelo viver. Os problemas são uma oportunidade para nos superarmos ou, se não os enfrentarmos, uma porta para a ruína.
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