Vergonha de Deus existir
Recentemente assisto a uma pessoa (cuja identidade não posso revelar) que sai de um determinado local e costuma dizer: «Até amanhã, se Deus quiser.» Apercebo-me que algo não bate bem e, num repente, apercebo-me porquê. Trata-se da referência a Deus e a insinuação que Ele poderá muito bem decidir sobre os nossos amanhãs.
Até há uns anos atrás era comum expressões como esta, que mostravam uma submissão à vontade de Deus. Cedo notei que eram frases raramente ditas sem o seu verdadeiro significado, apenas fruto do hábito. E os hábitos mantêm-se por vezes durante tempos infindos, mesmo se forem hábitos estúpidos e degradantes. Por isso, nunca me passou pela cabeça que este hábito se alterasse.
Apercebo-me agora que é um hábito em vias de extinção. Cada vez Deus está mais afastado da nossa linguagem. Causa até certa estranheza as Suas referências. Há nisto um aspecto indiscutivelmente positivo. Deus passou a ser uma coisa mais do íntimo de cada um. A palavra passou a ser usada dentro dos grupos que admitem a sua existência. De certa forma, deixar de falar em Deus no geral é uma questão de ética, respeitando quem não é crente. Da mesma forma, em geral os ateus não gozam em público com os crentes.
É curioso que dou por mim, que não sinto necessidade de acreditar em algum ente superior para me guiar os passos, a sentir alguma nostalgia dos tempos em que se falava mais de Deus por tudo e por anda. Mas é uma nostalgia que difere pouco de tantas outras, das coisas que morrem e voltam renascer transfiguradas com outros nomes e outros sentidos.
<< Home