quinta-feira, janeiro 20, 2005

Sobre a beleza

Um certo estudo, divulgados nos jornais, diz que apenas duas em cada 100 mulheres se acha bonita. É ainda referido que as mulheres gostariam que o conceito de beleza fosse mais amplo, incluindo outras características como o caracter, inteligência, entre outras (e assim seria mais democrático...). Daqui também resultaria uma baixa auto-estima, as mulheres bonitas terem mais oportunidades que as outras e serem mais valorizadas pelos homens.

A primeira coisa que me vem à cabeça é a necessidade de fazer estudos destes com conclusões tão banais. Ingenuidade minha, claro. Também estão envolvidas empresas de grande dimensão, cosméticos, sabonetes, produtos de beleza. Uma avaliação mal feita e é a morte do artista.

Tenho reparado que em certas coisas não há coincidências. Em certo tipo de empregos é raríssimo ver uma mulher bela, como se fosse mal empregue a beleza em tais funções. Já em outros empregos parece ser exigido um nível mínimo de beleza. Contudo, são casos excepcionais, não há gente bela o suficiente para preencher todos os locais.

Mas o que é isso de beleza? Em termos puramente físicos parece que há mesmo critérios objectivos para definir o que é um rosto belo, válidos para qualquer cultura, até para bebés. Características relacionadas com a simetria parecem conduzir ao belo, o que terá uma justificação evolutiva. Maior simetria significaria melhores genes, e tudo funciona a partir da matéria base...

Contudo, quando se fala destas coisas sinto que se anda sempre a pisar os degraus do politicamente correcto. É tudo muito asséptico, quase artístico. Porque me diz muito mais o conceito de “mulher atraente” do que “mulher bela”. No entanto, a atracção é coisa perigosa, que assusta. As pessoas gostam de se fingir controladas, que prezam a fidelidade, e em situações institucionais (como no ambiente de trabalho) convém fazer de conta que todos são imunes aos desejos sexuais.

Adensando os mistérios, há a impossibilidade de homens e mulheres se compreenderem a este nível. Por isso se diz que as mulheres se vestem para que outras mulheres as achem atraentes. Os tempos terão mudado, já não será bem assim, mas isso não altera as nossas predisposições genéticas para o auto-engano. Mas porque razão as mulheres se sentem mal com o seu corpo? Porque acham que não são belas ou porque não têm uma vida sexual satisfatória?

Mas a insatisfação virá de destas frustrações de primeiro nível (ligadas a concepções directamente ligas à relação com o próprio corpo e realização de desejos primários) ou a processos mentais mais complexos? Uma mulher que sacrifique prazer para ter poder será que se apercebe de onde lhe vem o desprazer?

Mas voltando à beleza. Parece-me ser um conceito, por natureza, elitista. Falar da sua democratização é o mesmo que falar de um Ferrari por proletário. Não foi o capitalismo que tornou o mundo competitivo. Essa competição já existia desde sempre, em que as armas que cada um podia jogar estavam no que cada um era e conseguia fazer com o próprio corpo.

Entretanto, racionalizamos o desejo e criamos desejos de segunda ordem. Os desejos que a nossa natureza nos forneceu, de apalpar, penetrar, mordiscar, lember... tornaram-se impuros, coisas a esconder. Os desejos artificiais, do amor romântico, paixões doentias, vidas em comum para todo o sempre, tornaram-se em objectivos a alcançar, as realizações de uma vida plena e feliz. Quer-se fazer omeletes com ovos sem gema. Ou então fazer crer que a única razão de existir das gemas é fazerem omeletes
Mas é apenas uma fuga para a frente. O sentido último de cada gesto não é dado pelo contexto em que se insere (é apenas um condimento). Cada acção vale por si. Apenas com acções plenas (e com o esquecimento do eu) se pode construir algo sólido. Mas mais importante, apenas o gesto com todo o empenho do Ser transcende todas as necessidades e amarras.