terça-feira, fevereiro 20, 2007

Indícios do suicídio civilizacional (IV)

Carlo (“Charles”) Ponzi ficou conhecido por ter posto em prática, em 1919 nos Estados unidos, um esquema de fraude que passou a ser conhecido pelo seu nome (“Ponzi Scheme”). Não se tratou de uma inovação mas foi o primeiro a elaborá-lo em larga escala. A promessa de altos rendimentos num curto espaço de tempo sobre o dinheiro investido, sem qualquer esforço, foi sempre uma tentação para muitos. A sustentabilidade do sistema dá-se pela entrada de novos investidores mas também pela permanência dos antigos que se mantêm. Quem dirige o esquema tenta gerir expectativas, apresentando aos investidores registos que mostram os seus rendimentos sempre crescentes. Em Portugal tivemos um exemplo deste esquema com a Dona Branca.

Os esquemas de pirâmide são aparentados aos “Ponzi Scheme” mas são bastante mais frágeis porque cada investidor tem, por sua vez, que recrutar mais investidores, o que pede um crescimento exponencial de participantes. Contudo, em ambos os casos o colapso é inevitável porque o processo não gera por si mesmo qualquer riqueza. Tudo isto estaria apenas no domínio da criminologia ou das curiosidades se a Segurança Social não tivesse alguns elementos de “Ponzi Scheme”. A maior parte dos sistemas de segurança social não se baseia nem na poupança nem na capitalização mas nas contribuições coercivas dos elementos que vão progressivamente fazendo dele parte (PAYGO – “Pay as you go”). Mas só isto não chega para declarar a Segurança Social uma fraude.

O indício do suicido civilizacional está na falta de seriedade com que se abordou o conceito de Segurança Social durante muito tempo. Vejamos o caso português em concreto. Durante décadas responsáveis políticos de todos os quadrantes garantiram a sustentabilidade do modelo social e as poucas vozes que alertavam para alguns perigos eram ignoradas quando não ridicularizadas. O sistema foi criando direitos adquiridos sem ter em atenção a possibilidade de os realizar, permitiu reformas antecipadas em larga escala, ignorou largamente as carreiras contributivas e conferiu privilégios absolutamente escandalosos. Reunindo isto temos uma clara falta de sustentabilidade, pelo que as semelhanças com o “Ponzi Scheme” avolumam-se, com a agravante da aderência à Segurança Social ser obrigatória.

Há ainda quem argumente que os sistemas de Segurança Social são transparente quanto às suas intenções e quanto aos seus meios, ao contrário do “Ponzi Scheme” que esconde o seu propósito e o seu método até quando lhe for possível. Mas no caso português, acompanhado por vários outros, nem isso é bem verdade. Só recentemente começou a existir uma maior consciência que a Segurança Social funciona tipo PAYGO, já que antes a maior parte das pessoas achava mesmo existir uma poupança efectiva (o termo “segurança” é bem enganador). As alterações do modelo de Segurança Social anunciadas pelo governo de Sócrates no fundo já admitem implicitamente a cada vez maior semelhança que o sistema vinha a ter com um “Ponzi Scheme”. O objectivo é aumentar a sustentabilidade, aumentando a idade de reforma, que também passa a estar relacionada com o crecimento económico. Alguns países, como a Suécia, foram um pouco mais longe e já incluem contas pessoais de investimento.

A forma como se encaram estas situações indica qual é a vontade existente para a preservação do futuro da civilização. A comparação do “Ponzi Scheme” com a Segurança Social nem precisa ser completa. O engano trapaceiro do “Ponzi Scheme” é substituído até com maior eficácia pela coercividade da Segurança Social. O “Ponzi Scheme” está sempre condenado ao fracasso, a Segurança Social não, desde que acauteladas algumas condições. Mas mesmo neste caso não há um consenso. Uma solidariedade que depende da coerção não tem grande valia, já diziam os antigos. Pior que isso, é um fardo que se lança sobre gerações que ainda não nasceram. E mais uma ironia, numa altura em que se considera, e muito bem, de um péssimo gosto argumentar contra o aborto por motivos demográficos, são feitos inúmeros apelos à maior reprodução da populaça. Não há, no fundo, qualquer contradição porque as motivações não estão nos princípios mas na prossecução de objectivos egoístas.

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