terça-feira, maio 08, 2007

Religião e civilização (2)

CIVILIZAÇÃO E CULTURA

Antes de prosseguirmos, convém fazer alguns comentários sobre civilização e cultura, para que se estabeleça o contexto implícito nas reflexões que se seguirão. A forma mais simples de relacionar cultura com civilização é fazê-las coincidir. O grau de civilização de um país estaria relacionado com o afastamento que tinha em relação à natureza. Esta mentalidade, adaptada aos tempos do orgulho colonialista, veio a ser contrariada pelo mito do bom selvagem. No entanto, o paradigma não se alterou, apenas as conclusões mudaram de sentido e, em grande parte, até hoje permanecem.

Por agora importa delimitar a humanidade em termos de civilizações e relacioná-las com as culturas. Actualmente tem algum sentido falar numa única civilização humana já que quase não existe sociedade que se possa considerar isolada ou, pelos menos, impermeável às influências exteriores. Mesmo regimes fechados, como Cuba ou Coreia do Norte, não se livram de algumas pressões exteriores. A própria existência de um «exterior» e do seu conhecimento provocam alterações internas, que se tornam mais visíveis com os dissidentes. Esta «civilização global» devia, sobretudo, alertar para a perigosidade desta possibilidade já que serão sempre mais as pressões para que esta globalização seja política em vez de unicamente económica, ou seja, ir no sentido de limitar as liberdades e não de as promover.

Mas para uma análise mais rica de outros fenómenos convém esquecer, excepto menção em contrário, a «civilização global». Originalmente uma civilização compreendia o conjunto de sociedades que eram governadas pela mesma lei, normalmente cidades-estado, países e, no limite, impérios. Mais tarde começou a fazer sentido falar de civilizações com um fundo religioso (mesmo que na prática a ordem tenha sido inversa), a civilização cristã, islâmica e, teria muito sentido, civilização budista, que influenciou grande parte do extremo oriente.

Mais recentemente tenta-se encontrar no «ocidente» um conceito vais vasto de civilização. Se bem que em termos estritos o ocidente refere-se à parte do mundo influenciada pelo modelo cultural europeu, que inclui as heranças helenística, cristã e judaica, também se entende como o conjunto de países que se regem pela democracia liberal e, desta forma, países como o Japão e Coreia do Sul passarão também a constar.

Para o tipo de análise que aqui é feito opta-se por não utilizar nenhum dos limites anteriores. Está implícito um conceito de civilização europeia que se baseia, propositadamente, num aspecto a confirmar: o suicídio civilizacional. Separa-se a Europa do restante ocidente ao assumir a hipótese de que se tornou um continente que renunciou voluntariamente às suas origens, não só ao cristianismo mas a praticamente a toda cultura pretérita. É uma recusa provocada por algumas elites de indivíduos que não se sentem bem consigo mesmos, mas que têm uma enorme capacidade de influenciar, pela negativa, as massas. São estas elites que fazem, desde logo, passar a ideia que as massas são incultas e que não têm nada a ensinar mas devem, apenas, limitar-se a aprender e só aquilo que eles têm para ensinar. Estes intelectuais, depois de desvalorizarem o conhecimento disperso por toda a sociedade, criam uma base de trabalho para construir uma nova sociedade e, desta forma, tornam-se os principais obreiros do suicídio civilizacional. Trata-se de um movimento que se verifica nível global mas a Europa distingue-se por ser o local onde é menor a oposição a este «progressismo».