terça-feira, setembro 18, 2007

Civilização e religião (21)

REFLEXÕES DO ACTUAL PAPA (4)

Sem se sentir preparado para uma discussão a fundo sobre a Constituição Europeia (em 2004), Ratzinger salienta alguns elementos que não deviam estar ausentes da mesma. Em primeiro lugar, a dignidade humana e os direitos humanos são valores prévios, não são criados pelo legislador. Ao remetê-los para o Criador deixa de ser possível manipulá-los, sendo essa a principal garantia de liberdade. Existe sempre a tentação de utilizar finalidades boas para justificar a utilização de novas possibilidades que a medicina moderna oferece, como a clonagem, a utilização de fetos, a manipulação genética, que Ratzinger considera levarem a um lento definhar da dignidade humana.


Um segundo ponto é a defesa do matrimónio e da família como fundamentos da identidade europeia. As crescentes facilidades em realizar o divórcio e a tentativa de conceber as uniões homossexuais como sendo da mesma categoria das relações tradicionais são formas claras, conscientes ou não, de ameaçar a família e o matrimónio.

Por último, a questão religiosa. Em todas as culturas é fundamental respeitar aquilo que para o outro é mais sagrado. No Ocidente existe o preceito de respeitar crenças alheias, por vezes através de condicionantes legais, mas quando se trata de Cristo é a liberdade de opinião que aparece como bem supremo. «Contudo, a liberdade de opinião encontra o seu limite no facto de não poder destruir a honra e a dignidade do outro; não é liberdade de mentir ou destruir os direitos humanos.»

«Em tudo isto é patente um ódio que o Ocidente sente em relação a si mesmo, que só se pode considerar como algo patológico; o Ocidente, cheio de compreensão, tenta de maneira louvável abrir-se a valores externos, mas já não gosta de si mesmo; da sua própria história já só vê o que é censurável e destruidor, já não está em condições de perceber o que é grande e puro. Se a Europa quiser sobreviver, necessitará de uma nova – certamente crítica e humilde – aceitação de si mesma.»

Remete isto directamente para o multiculturalismo, tão encorajado entre nós mas que acaba por ser uma «fuga das características próprias (…) Faz parte do multiculturalismo ir ao encontro do outro com respeito pelos seus elementos sagrados; mas só podemos fazer isto se o sagrado, Deus, não nos for estranho.» Se esta tarefa fosse levada a sério a troca seria nos dois sentidos, sendo reconhecido que os outros também têm o direito em conhecer o nosso Deus «que tem compaixão dos pobres e dos fracos, das viúvas e dos órfãos e dos estrangeiros (…)» A razão porque o resto do mundo vê o Ocidente como decadente, apesar de todos os nossos avanços a vários níveis, é porque a nível espiritual já nada temos a mostrar.

Relembrando a ideia de Toynbee, Ratzinger exorta os cristãos a se conceberem como a minoria criativa que contribui para readquirir o melhor que a herança europeia tem «e, deste modo, colocar-se ao serviço da humanidade inteira.»