terça-feira, outubro 02, 2007

Civilização e religião (22)

REFLEXÕES DO ACTUAL PAPA (5)

Impõe-se hoje em dia ao político que prometa mudanças. Com a revolução em descrença, tomam lugar as reformas. Em todo o caso, o político tem de mudar e não conservar a sociedade, como se a vivência nesta estivesse no limite do suportável. No Império de Roma era o “Conservator” que desempenhava o papel mais importante da comunidade, que garantia a manutenção de um espaço onde reinavam a paz e o direito. Mesmo apreciando esta garantia, os cristãos pretendiam ver em Cristo algo mais que um “Conservator”, exactamente um “Salvator”. Está aqui implícita uma mudança, não no sentido político-revolucionário, mas que abria a perspectiva para outra dimensão humana.


A visão estática é por excelência a do Tao chinês, onde se define uma ordem divina a emular no ser humano e na vida política. Há que conservar, portanto, essa ordem. A visão do Dharma, em especial como é vista no budismo, conduz a uma profunda revolução interior mas não propõe novos modelos para a sociedade. A fé de Israel diferencia-se porque se orienta para o futuro, tem intrinsecamente uma concepção histórica. «É a visão dos oprimidos que olham para uma viragem da história e não se podem interessar pela conservação do existente.» O livro de Daniel apresenta visões onde essa viragem é uma intervenção directa de Deus, onde muitos viram o anúncio da chegada do Messias.

O marxismo veio retomar a corrente apocalíptica, tendo como suporte ideológico as classes dos explorados. Contudo, as reformas liberais levaram a que essas classes fossem melhorando o seu nível de vida e adquirissem direitos que tornaram a revolução supérflua. O marxismo acabou por ser a religião dos intelectuais, que se vêm opondo fortemente ao reformismo, aceitando apenas um mundo totalmente novo. A história passou a ser vista de forma evolucionista, através de saltos que se constituem como movimentos dialécticos, seguindo a formulação de Hegel. O Messias passou a ser a sociedade sem classes, que advém da revolução política. Apesar do determinismo implícito, as reformas são condenadas por destruírem o impulso revolucionário.

«Revolução e utopia – a nostalgia de um mundo perfeito – estão ligadas: são a forma concreta deste novo messianismo, político e secularizado. O ídolo do futuro devora o presente; o ídolo da revolução é o adversário do agir político racional em ordem a um melhoramento concreto do mundo. A visão teológica de Daniel, da apocalíptica em geral, é aplicada à realidade secular e, ao mesmo tempo, mistificada e rotundamente deformada. Com efeito, as duas ideias políticas basilares – revolução e utopia – são, na sua ligação à evolução e à dialéctica, um mito absolutamente anti-racional: a desmistificação é urgentemente necessária, para que a política possa desenvolver a sua obra de modo verdadeiramente racional.»