terça-feira, outubro 28, 2003

Máquinas ao volante


Parece-me em muitas ocasiões que as pessoas ao volante mudam de natureza ou talvez até a percam. Mais do que se transformar num “assassino nato”, o indivíduo evidencia perder todo o seu ser e entrega-se à máquina. Uma entrega de tal forma consumada que se sente máquina. Com mais ou menos arrogância, o indivíduo ao volante sente ter os poderes da máquina, que é ele que acelera, trava, vira – e não apenas o que dá o comando. Sente também a invulnerabilidade da máquina, o desconhecimento da dor por parte dela, a ausência de medo.

E o indivíduo ao volante também não vê o outro indivíduo em outro volante como uma pessoa. Vê apenas outra máquina. Irrita-se se ele vai lento, aquela máquina não pode ser lenta!, ignorando as vontades humanas por detrás, se é um idoso, alguém sem pressa. O automóvel não é apenas o território, é uma extensão de nós ou nós uma extensão dele. Conseguirão todos os apelos e todas as campanhas rodoviárias romper este laço afectivo com a máquina?