segunda-feira, novembro 10, 2003

Livros & leituras (2) - Anoitecer – Isaac Asimov, Robert Silverberg


Provavelmente, para ser bloguisticamente correcto, deveria ter colocado o título do livro no seu original em inglês (Nightfall). Mas o facto é que o li em português, numa publicação da Europa-América, na sua colecção Nébula. Já tendo lido várias coisas de Asimov, quase me esqueço do outro co-autor, até porque a base é um conto de 1941 que Asimov escreveu para uma revista de ficção científica.
Somos transportados para um planeta que tem seis sóis. Pode dizer-se que os seus habitantes são em tudo idênticos aos humanos, mas por de terem sempre pelo menos um sol no horizonte não sabem o que é a escuridão natural. E a escuridão artificial, numa gruta p.e., mesmo que por breves momentos, é-lhes bastante desconfortável. Se for por momentos mais longos poderá ser tão traumática que leve as pessoas à loucura ou até à morte.

Mas aqui a ficção é de facto a mais científica possível, sem perder inteligibilidade para o leitor médio. Os acontecimentos são descritos na óptica de cientistas – Astrónomos, psicólogos, arqueólogos. O grande acontecimento é o anoitecer, que só se verifica de 2000 em 2000 anos. A história desenrola-se focando-se em personagens chave que, de alguma forma, acabam por simbolizar os pensamentos e acções preponderantes de toda a sociedade. Para além dos cientistas, há os jornalistas e os fanáticos religiosos. Os políticos são quase totalmente ignorados, comos se face a uma catástrofe não tivessem relevância. Por fim, os movimentos das massas, imparáveis. No fundo, o que se retrata é a forma como a humanidade reage face a uma catástrofe anunciada.

Tal como Júlio Verne, os contos de Asimov não se baseiam apenas em acontecimentos fantásticos. Existe uma grande ênfase no carácter das pessoas, mesmo que neste caso não hajam heróis. Os contos de Asimov são bastante lógicos e inteligentes, sem perderem emotividade e o efeito de surpresa. Nas entrelinhas, Asimov parece querer dizer que mais ninguém tem (tinha) inteligência e talento suficiente para escrever como ele. Esta arrogância passa despercebida em Portugal, onde é um ilustre desconhecido. Mas a profundidade dos seus livros ultrapassa em muito aquilo que escreveram muitos autores que os nossos intelectuais elevam aos céus. A versão portuguesa tem bastantes gralhas, o que mostra a pouca importância que a editora confere a este género, mesmo sendo uma das poucas a divulgá-lo.

O livro não acaba de uma forma particularmente entusiasmante. Não existe um final tipo Hollywood, com uma sucessão de actos impossíveis culminando num clímax. Mas penso que o final é realista, duro e que nos faz olhar para nós mesmos. Este livro é uma reflexão, um estímulo e também diversão. É preciso mais?