domingo, novembro 09, 2003

Jornalismo e corrupção moral


Quando fico algum tempo sem ver os telejornais, por vezes semanas, sinto-me imensamente agredido pelo espectáculo que se me depara novamente. Com alma re-virginada, o telejornal parece-me um produto que tem apenas uma lógica: A agressão.

Agressão ao português, ao bom gosto, à lógica elementar, à verdade, à decência, ao comedimento, ao humor, à vida…

Nos jornais e rádios de referência o nível é superior, por vezes com muito boa qualidade. Mas ainda assim, sinto-me agredido. As primeiras páginas e os colunistas (que devem adorar ser chamados de formadores ou líderes de opinião) vestem-se de vistas curtas, procuram o efeito rápido, a jogada de influência e de poder. Actualmente, considero os blogs a melhor fonte de informação disponível, e talvez a única.

Surpreendente, ou talvez não, foi os portugueses terem dito numa sondagem recente que consideram os jornalistas uma das classes profissionais de maior prestígio (mais merecedores de confiança, rigorosos, verdadeiros…). Face àquilo que nos mostram todos os dias, o natural é estarem no fundo da lista e não à cabeça. Se bem que parte deste reconhecimento se deve à promoção que os jornalistas fazem a si próprios em permanência, utilizando a vitimização e o silenciar dos críticos de forma bem consciente, não acredito que os portugueses se deixem enganar assim tão facilmente. Falta algo e é aqui que entra a corrupção moral.

O exercício do poder por parte da comunicação social vem tornando-se óbvio nos últimos anos em Portugal. Com a concentração dos orgãos de comunicação social em grandes grupos, o pequeno mercado disponível “exige” que o jornalista tenha não só poder de influência mas que seja ele a liderar a agenda dos acontecimentos. E é o único que manda sem ser contestado. Mas em última análise, só o pode fazer por que há um público para isso.

E aqui não se pode culpar o povo ignorante e ingénuo. Não há inocentes nem acredito na ingenuidade. A corrupção moral dá-se quando o jornalista faz com que a pessoa acredite que também tem o mesmo poder que ele, que o partilha. Habilmente, o jornalista não fala em nome de si, fala em nome do povo. Se ele questiona, não por si, é pelos portugueses. Se ele pressiona, vai atrás, chateia, invade a privacidade, é desculpado, é o público que o exige. Na realidade, é o jornalista que decide (aqui o jornalista poderá nem ser o que escreve ou lê a notícia), a vontade é a dele, bem como o interesse. O público não o começou por exigir, mas a vergonha de ter sido corrompido faz esquecer que a corrupção aconteceu.

Mas o poder do jornalista é ilusório, e ele sabe disso. Sabe os podres dos poderosos, sabe os que traíram os amigos, o partido – mas não pode fazer nada contra eles, estão cobertos. Passa a odiar os poderosos. Odeia-se a si mesmo, sabe que destruiu a vida a inocentes. Depois passa a odiar todas as pessoas, que aceitam tudo passivamente. E o jornalista irá acabar por descobrir que por se ter vendido ao poder, o poder passou a mandar nele.