terça-feira, março 30, 2004

Sobre a Paixão de Cristo


Como não cristão que sou (a fase anti-cristã já lá vai), fico estupefacto por alguns comentaristas cristãos acharem despropositado ateus, como eu, verem o filme e tecerem comentários. Falam como se a vida de Cristo só a eles interessasse e dissesse respeito. Tal é um profundo disparate porque o cristianismo é o pano de fundo para toda a cultura ocidental. Mesmo se quisesse, não podia fazer de conta que o cristianismo não existe. Sou obrigado a gozar feriados cristãos, a ter um calendário cristão, a ter festas cristãs. Além disso, as pessoas ainda pensam muito de forma cristã.

Tinham-me dito que não se tratava de um filme anti-semita. Não concordo, a imagem dada aos judeus é péssima. No entanto, acho que o filme não provocará reacções anti-semitas, porque esta má imagem fica esquecida ao ver-se o desenrolar da paixão. Aquilo que mais vezes pensei durante o filme foi que uma religião que começou assim não poderia vir a dar algo de bom. Outro pensamento perverso que me passou pela mente foi que Cristo não sofreu tanto como muitas vítimas da Inquisição.

Parece-me significativo que o filme esteja centrado no sofrimento. Os flashbacks que ocorriam dão uma imagem serena e até humana de Cristo, o que considero uma evolução em relação a outras imagens que parecem ser de alguém que nunca esteve neste mundo (e talvez seja verdade). Correndo o risco de chocar os crentes, a vida de Cristo, comparada com a de outros mestres espirituais, parece-me incrivelmente pobre. A sua vida parece-me pouco inspiradora, e talvez por isso a exacerbação da paixão sirva para a tornar mais interessante. Acaba por ser mais uma história de poder do que sobre autêntica religião.

Cristo não me diz nada sobre como me devo sentar frente ao computador para trabalhar. Nem como devo reagir se dormi mal. Ou o que fazer se uma bela mulher me convida para algo que jurei nunca fazer. Cristo não me diz nada porque já nasceu perfeito.