quinta-feira, maio 27, 2004

Delírios (1)


PARABÉNS A JOÃO VALE E AZEVEDO

O FCP é Campeão Europeu e é de toda a justiça dar os parabéns ao principal responsável por isso: João Vale e Azevedo (JVA). O próprio ficaria surpreendido com estas congratulações, se é que ainda pode mostrar surpresa em relação a alguma coisa. JVA foi a primeira pessoa em Portugal, com responsabilidades no mundo do futebol, que acreditou nas capacidades de Mourinho como treinador de futebol. Por cá, todos achavam que ele não passava de um tradutor do Bobi Robson, e o tipo que trazia e levava o saco das bolas para os treinos. Hoje, Mourinho afirma-se como um dos melhores treinadores do mundo, correndo sérios riscos de ser também um dos mais bem pagos.

Mas JVA merece esta vitória por outras razões. Considero que é também o principal responsável pela revitalização do futebol em Portugal. No tempo do penta-campeonato do FCP, o nível futebolístico era muito baixo. Lembro-me de um célebre jogo do campeonato, apenas para cumprir calendário, entre Benfica e Sporting em que a assistência foi de apenas mil pessoas. O futebol estava morto. Os jogos eram chatos, várias vozes diziam ser melhor parar o futebol por um ano ou dois. Propunham-se novas regras, a integração dos três grandes num campeonato ibérico, etc. O FCP, de longe a melhor equipa nacional nesses tempos, tinha medíocres prestações nas competições europeias, face à fraca competitividade interna. JVA com o seu estilo muito próprio galvanizou a comunidade benfiquista. Apesar do Benfica nada ter ganho, o futebol português foi subindo de nível, por arrasto. O FCP voltou a ser um dos benificiados, indirectamente, da actuação de JVA.

JVA continua preso. É difícil fazer a sua defesa, mas ao mesmo tempo também é fácil. É difícil porque aquando do seu primeiro julgamento se teve a sensação que ele iria ser declarado culpado, fosse ou não responsável pelas acusações. Ele tinha de ser culpado! De cerca de uma dúzia de acusações, foi declarado culpado de uma, tendo levado uma pena bastante severa para o que estava em causa. Espantosa a forma como ninguém se interrogou como surgiram as outras acusações. Mas outros julgamentos estavam pendentes.

No caso de JVA, vejo um aspecto relevante e outro pouco relevante. O aspecto pouco relevante é a própria culpa (ou não) de JVA. Como benfiquista quis que ele fosse condenado pelo que fez, se é que fez. O próprio JVA não conseguiu responder adequadamente a algumas acusações que lhe foram sendo feitas. No entanto, considero este o aspecto pouco relevante. O aspecto relevante, para mim, foi a construção e publicação de dezenas de acusações contra JVA, muitas delas contraditórias entre si. Foi a pessoa que vi ser mais atacada em Portugal nos últimos anos, com quase ninguém para o defender a não ser ele mesmo.

Isto para mim é relevante porque tal catadupa de acusações, vindas de todo o lado só é possível com uma grande “comunhão de esforços”. Seria um case study fenomenal analisar a máquina humana responsável por tal actuação. De certo iriam-se descobrir tráfico de influências, corrupções, máfias, etc. que em muito iriam superar casos como o “Apito Dourado”. A prisão de JVA não torna o ar mais puro, mas levar toda esta máfia oculta ao xadrez poderia ter benefícios insuspeitados.

No entanto, tudo isto não desperta nenhum interesse em ninguém. Entre descobrir a verdade e ter uma resposta simplista para as situações (tipo JVA é culpado e não se fala mais nisso), as pessoas preferem optar sempre pela segunda. Os portugueses são acusados de muita coisa mas raramente são acusados de cobardia. Como nos referenciamos uns aos outros, a cobardia passa despercebida. E não é tão bom que assim seja?