quinta-feira, abril 29, 2004

Fim de semana comunista (2)


Apesar das dúvidas históricas que o 25 de Abril me levanta, que espero um dia ver esclarecidas, sempre lhe associei a palavra liberdade. Não que achasse que essa liberdade tivesse acontecido de um dia para outro mas, pelo menos, a partir daí foi possível conquistá-la e realizá-la individualmente. Por isso, foi com honra que participei nas comemorações oficiais do 25 de Abril em Setúbal (a forma dessa participação será explicitada por algumas fotos, que colocarei o link assim que for possível). Apesar de ter sido um convite de uma autarquia comunista, a nossa participação não teve quaisquer contornos ideológicos.

Já na madrugada de 25 fui a um bar comunista e observar, deliciado, o ambiente único do local. Desenganem-se os que pensam ser um local conspirativo, frio, onde se encontra a uniformidade. Nada mais longe da verdade. O local, frequentado sobretudo por jovens, é a prova que o comunismo é possível e realizável. As pessoas têm um ar enamorado. Estão felizes, sentem-se em profunda comunhão uns com os outros, os abraços sucedem-se. Nem todos são comunistas, alguns estão por lá apenas pelo enorme calor humano existente na comunidade.

Ao contrário do que se poderia imaginar, não é o ódio que os une. Depois de se ouvir “Grândola Vila Morena”, gritam em uníssono, “Revolução Sim, Fascismo nunca mais!”, com uma energia colectiva extraordinária. Já a notícia de que Durão Barroso e Paulo Portas tinham sido vaiados nas comemorações desse dia apenas deram origem a alguns sorrisos e comentários de circunstância. Os cartazes nas paredes faziam apenas menção ao 25 de Abril e ao partido, e não se viam insultos à direita, a Bush ou a outros “inimigos declarados”.

A frase que mais ouvi foi “Aqui encontra-se de tudo”. Skin-heads comunas, ex-nazis que ainda têm suásticas tatuadas mas que se converteram, filhos da “alta burguesia”, pessoas normais, outros que ninguém sabe quem são. Todos são bem recebidos. Por um preço simbólico, encheram-me um copo de um bom Moscatel. Ninguém me tentou converter e nem sequer perguntaram as minhas opiniões políticas. Percebe-se facilmente que num ambiente destes, quase místico, certas recordações ficarão para o resto da vida. Tal como certas convicções.

O objectivo final do comunismo é dar à sociedade esta felicidade comunitária. É compreensível que quem a sinta, tenha uma enorme tentação em a querer ver espalhada universalmente. Chegar lá é complicado, há os que não acreditam, por ignorância ou estupidez, e há mesmo aqueles que se lhe opõem. A partir daqui facilmente os fins começam a justificar os meios.

No meio de tudo isto está uma ilusão base. A de que aquela felicidade, que é realmente sentida, é possível realizar a partir de acções sociais e políticas. O processo poderá ser conturbado, levar muito tempo, mas se for bem conduzido levará a um bom fim. No entanto, aquela felicidade comunitária é um processo típico dos inícios de movimentos, e também algo tipicamente ocidental, registado desde a Grécia Antiga. Com o tempo, os jovens comunistas irão perceber que é difícil manter este êxtase. As rotinas partidárias, o contacto com a realidade fora do grupo, o próprio poder que o partido vai exercendo – tudo isto mata a espontaneidade que fazia o comunismo funcionar. O indivíduo poderá ser comunista até morrer, mas só será feliz uma vez na vida.