Uma Europa impossível de repetir
Numa altura em que o projecto europeu levanta dúvidas, sobretudo nas questões de falar a uma só voz e em se obter unanimidades, talvez olhando para as comunicações móveis se possam tirar algumas ilações. O sistema GSM entrou em funcionamento há mais de 10 anos e veio substituir uma série de sistemas todos incompatíveis entre si. Pode-se dizer que foi uma vitória para os europeus, que conseguiram pela primeira vez estarem todos de acordo sobre alguma coisa.
No entanto, é preciso ver com alguma atenção no que consistiu esta “comunhão de vontades”. As primeiras especificações do GSM, compostas por mais de 5000 páginas, apenas continham indicações precisas sobre a realização das interfaces entre os vários elementos da rede. Trocando por miúdos, estas especificações, que podem ser consultadas por qualquer pessoa, criaram a possibilidade de um sistema único mas também fomentaram a livre concorrência entre os vários fabricantes. Pequenas empresas, como a Ericsson e a Nokia, tornaram-se gigantes mundiais.
O facto do GSM ter resultado e ser um sucesso estrondoso (a repetir no UMTS?) deveria fazer-nos pensar naquilo que resulta e não resulta. Na verdade, após governos, investigadores, fabricantes, institutos reguladores, etc. estarem de acordo, o que impulsionou tudo foi a reacção das pessoas. E não foi logo de início, levou anos até o sucesso se generalizar. Lembro-me dos intelectuais deste país insultarem todos aqueles que utilizavam telemóvel, e que agora todos utilizam o dito cujo. E há casos paradigmáticos, como o das SMS, de início desprezadas pelas próprias operadoras e que se revelaram um sucesso.
GSM é o acrónimo de Global System for Mobile communications. Na realidade, a sigla GSM já existia antes deste acrónimo, mas na altura significava Groupe Special Mobile. O abandono do francês foi forçado pelo poder do inglês. Será essa uma das razões da França ser o país com menor taxa de penetração de telemóveis?
Daqui poderá ter algum interesse fazer um paralelo entre a implementação do GSM e o novo projecto europeu, com a nova constituição. No entanto, esse paralelo é impossível de fazer. Para começar, não existe uma forte vontade política dos vários governos em avançar num objectivo comum (o objectivo da Cimeira de Lisboa de superar os EUA, completamente irrealista, vem sido substituído pelo objectivo de rasteirar os EUA). Existe apenas uma forte tentação de alguns governos controlarem outros governos indirectamente. Mas mais importante que isso, o envolvimento que se pede às pessoas é do género “ou estão comigo ou então estão contra mim”.
É curioso ver que os actuais líderes europeus, quer de direita quer de esquerda, são pessoas muito abaixo dos verdadeiros construtores da Europa do passado. Sem visão, sem entusiasmo, sem vontade, sem carisma. No entanto, substituem tudo isto pela convicção de saberem o que é melhor para cada um de nós.
<< Home