Mentiras, imprecisões e enganos
Ao fim de tantos anos chego à conclusão que cada assunto deve ser aprendido, pelo menos, duas vezes. A primeira vez é quase sempre involuntária, é aquilo que entra pelo ouvido, o que nos querem fazer crer, as receitas que devemos decorar sem questionar. A segunda vez, que mais correctamente devia chamar de segunda abordagem, porque a primeira, na prática, consiste em incontáveis repetições de instruções estereotipadas, é voluntária e fruto de uma tomada de posição consciente, corajosa, que visa o aproximar da verdade. E o conhecimento obtido nesta segunda abordagem revela que aquilo que pensávamos saber não passam de mentiras, imprecisões ou, no mínimo, enganos frutos da ingenuidade.
Mesmo em matérias técnicas e científicas, a primeira abordagem que nos dão acaba por ser uma ilusão. Ou porque reina um simplismo e uma inclusão de pormenores exóticos que pretendem tornar as matérias mais compreensíveis e apelativas. Ou porque nos apresentam tudo como assuntos fechados, imutáveis, dos quais se deve extrair uma receita a seguir sem questionamento. Em temáticas sociais e económicas, as mentiras e os enganos são de uma magnitude muito maior. São por excelência temáticas onde as ideologias paternalistas tentam fazer os seus cavalos de batalha. Quer seja através das variantes socialistas, que se arrogam, em maior ou menor grau, de saber o que é melhor para cada um de nós e, por isso, não hesitam em nos tomar a liberdade para construir uma utopia perfeita, quer seja através de um conservadorismo retrógrado, que não sonha com mundos perfeitos mas apenas estáveis e ordenados e para isso tentam impingir a todos uma ordem e uma moral castradoras, as consequências são trágicas por causa deste “bias” ideológico. A principal está na procura da verdade, que deixa de ser um fim em si mesmo, a que tudo se devia submeter, e que passa a ser uma premissa. A ideologia dita à partida qual é a verdade. Toda a investigação visa a obtenção da justificação dessa “verdade”, ou então visa acumular novos dados que possam reformular a mesma “verdade” de sempre com uma roupagem mais modera. Não menos importante, a investigação também servirá para apontar os erros do adversário.
Por último, no campo da religião, da arte e, porque não, do amor, a primeira abordagem é inevitavelmente redutora. Nestes campos só a vivência das situações poderá dar um vislumbre da sua essência. Para além de ser necessário ultrapassar os estereótipos que os veículos de transmissão da primeira abordagem nos brindam, há ainda um problema no lado do receptor, que necessita de amadurecer a sua sensibilidade.
Escusado será dizer que a maior parte de nós, na esmagadora maioria das situações da vida, se atém na primeira abordagem, enganadora, redutora ou mesmo completamente falsa. São incontáveis os erros, as carnificinas, as demandas inconsequentes e as quedas no abismo proporcionadas pelas ilusões da primeira abordagem que, repito, são frequentemente as únicas. A questão não tem, talvez, solução. A segunda abordagem tem de ser voluntária, caso contrário será apenas uma variante estéril da primeira abordagem. E é um esforço e uma dedicação que parecem tantas vezes inglórios. Leva décadas uma pessoa adquirir um conhecimento maduro sobre um número razoável de assuntos e vivências. E constantemente há o apelo em voltar ao primeiro estado infantil, tão sedutor com as suas certezas. Quem se dedica à segunda e definitiva abordagem (porque não tem fim), já não tem planos para mudar o mundo à sua imagem. Aparentemente, estas pessoas só conseguem obter benefícios para si mesmas e, eventualmente, para alguns que lhe são mais próximos. Contudo, são âncoras de humildade e bom senso onde muitos vão buscar orientação sem se aperceberem. É uma virtude sublime porque não se reconhece como tal.
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