quarta-feira, março 29, 2006

Protesto

O impulso de protestar tem sempre algo de auto-destrutivo. O protesto colectivo encerra em si um caminho fácil de vitimização. Mas ao invés de outro tipo de vimitização unipessoal, no protesto colectivo a componente de chantagem é aceite facilmente. Quem se habitua a este caminho fácil, sucumbiu à tendência mórbida de querer voltar ao útero da mãe. No âmago das exigências dos protestantes pode estar uma necessidade de segurança que os impeça de enfrentar o mundo e a inevitável roda da sorte, do trabalho esforçado e do mérito.

O protestante quer o seu posto de trabalho assegurado, quer ganhar mais, trabalhar menos, mais direitos, acesso garantido à universidade, ensino de graça, saúde de graça, mais pensões, quer as fronteiras abertas ou fechadas conforme as necessidades, quer mais estradas, mais pontes, rotundas, túneis e viadutos. O protestante vê o mundo como um acessório ao seu ego e não consegue perceber as relações causa/efeito. Para ele, os recursos são ilimitados quando pretende receber, mas ao mesmo tempo recusa a solidariedade por ver a economia como um jogo de soma nula.

O protestante engana-se ao achar-se corajoso e coberto de nobres valores. As causas realmente difíceis raramente têm a aderência do protestante típico. O protestante não opera em terreno difícil, não contesta os grandes interesses ou o politicamente correcto. Adere facilmente a causas populares de carácter ideológico, que pretensamente combatem os grandes (governos, EUA, Mac Donald’s, etc.), mas apenas porque sabe que estes pretensos grandes estão de mãos atadas por uma comunicação social feroz, que lhes segue cada passo de forma implacável. Na realidade, um qualquer protestante que vá junto a uma embaixada americana gritar “Assassinos” (com ou sem razão), não admite nem por um segundo que um qualquer agente da CIA o esteja a vigiar e o fará “desaparecer” num qualquer beco escuro. Sente que é um protesto seguro, porque o alvo é, para ele, inofensivo e, até, digno de inveja inconfessada.

Os protestos podem, portanto, seguir duas vias. Ou são movimentos reactivos face à ameaça de perda de algumas regalias ou seguem uma via pretensamente altruísta, que se coloca ao lado dos fracos contra os poderosos. Em qualquer dos casos, o protestante sente que pode tomar posições irracionais que em outros âmbitos lhe seriam negadas. Sente que pode pedir sem atender às consequências ou insultar sem demonstrar a veracidade das suas acusações. O próprio protesto redefine a origem do tempo, a que toda a realidade deve ajustar-se.

O verdadeiro protesto acaba por ser individual. A acção concertada de uma manifestação não é compatível com a avaliação serena da realidade, que não tem data definida para chegar a conclusões nem dá garantias de obtenção de uma visão única para dar unidade ao protesto. Certamente haverá momentos em que acontecimentos de extrema gravidade justificariam protestos espontâneos e legítimos. Mas nessas alturas, raramente a coragem ou a inteligência estão presentes e o protesto não acontece.