terça-feira, julho 11, 2006

Estratégias portuguesas

Em Portugal cimentou-se há não sei quantos séculos uma cultura de evitar a realidade, utilizando todo uma série de estratégias de “desenrascanço”. As aqui abordadas não pretendem ser um exclusivo nacional, apenas são avaliadas à luz do nosso contexto. A totalidade do pacote e toda uma série de pormenores é que farão do português um exemplar único.


CHICO ESPERTO

Talvez seja a estratégia nacional número 1. Em cada português há um Chico Esperto em potencial, sempre ávido pela descoberta de uma solução milagrosa que resolva todo e qualquer problema. O Chico Esperto é acima de tudo um crente porque das duas uma. Ou acredita que a sua solução disparatada é mesmo genial, ou então sabe que é disparatada mas pensa que ninguém irá descobrir isso. Esta esperteza é transversal a toda a sociedade, na cidade e no campo, nas escolas, universidades, locais de trabalho, nas relações pessoais, nos iletrados e nos sapientes. Os políticos vão para a Europa mendigar esmolas da foram mais despudorada. Lembro-me que o projecto socialista para regionalização era desenhado de tal forma que algumas regiões iriam aparecer muito pobres. Ao Chico esperto nunca lhe ocorre que outros podem ter exactamente as mesmas ideias, e mesmos os países ricos conseguem encontrar regiões pobres. O Chico Esperto nunca avalia se de facto é assim tão esperto, esquece facilmente, segue sempre em frente respondendo a um erro sempre com outro erro.


FAZER PASSAR-SE POR PARVO

Pode-se considerar uma variante do Chico Esperto. Pode parecer incrível, mas o português não se preocupa em fazer figura tola para se livrar de alguma responsabilidade ou para obter alguma informação. A versão suave é “fazer-se desentendido”, mas em muitos casos o português orgulha-se de conseguir algo por ter dado a entender que era ainda mais estúpido do que na verdade é. Aqueles que se orgulham de se fazerem passar por parvos, pensando que é uma bravata de elogiar, esquecem que lhes restava a opção de serem frontais. Há também a questão da evidente falta de dignidade que a pessoa se submete e nem se pode dizer que os fins justifiquem os meios porque certamente existiam meios mais eficazes de atingir os mesmos fins.


EM TERRA DE CEGOS QUEM TEM UM OLHO É REI

Esta estratégia tem múltiplas interpretações. Existe uma interpretação passiva que diz que, afinal, não tem mal ser cego, metáfora para medíocre. Existe também a interpretação oportunista, que tenta transformar qualquer mediania em genialidade absoluta. E finalmente há uma interpretação activa, que defende que para atingir a realeza há que cegar todos em volta. Em todos estes casos o indivíduo nunca procura melhorar-se a sim mesmo. Pode desculpar-se, colocar-se em bicos dos pés ou tentar eliminar a concorrência, mas nunca lhe ocorre a possibilidade de aperfeiçoamento pessoal. Muito menos a possibilidade de cooperar com outros.


OS POLÍTICOS SÃO TODOS IGUAIS

É curioso que a maior parte das pessoas que usam frases feitas o faz unicamente para ocupar um espaço vazio. Classificar os políticos uniformemente é um dos sintomas do relativismo absoluto. Não há, ao contrário do que parece, qualquer juízo de valor sobre a classe política, mas sim uma demissão. O indivíduo desiste de avaliar as situações com inteligência e ponderação. Pode dar ares de pessoa bem pensante e preocupada com os outros quando insulta os poderosos e apela à vitimização colectiva. Curiosamente, este tipo de mentalidade propicia exactamente o tipo de situação que critica, ou seja, o aparecimento do político profissional esteriotipado e medíocre. Quando os eleitores preferem o chavão à ponderação, os políticos mais íntegros, bem preparados e capazes acabam por se desmotivar, porque as suas qualidades são melhor apreciadas em outros lados onde não são insultados e ainda por cima melhor pagos. No lugar destes ficam aqueles que não se importam de serem insultados, os medíocres, corruptos e incapazes.