terça-feira, junho 20, 2006

Coragem

Basta andar na estrada para perceber que aumentam os actos de inconsciência. Passar o sinal vermelho tornou-se comum. Não apenas aquele vermelho mesmo depois do amarelo, que todos nó abusamos um pouco, mas muito depois deste, já com o verde oposto bem aberto. Um pouco por todo o lado andamo-nos a colocar em situações de risco. Mas, paradoxalmente, quase são inexistentes actos de coragem, porque esta aplica uma avaliação dos riscos.

Os políticos não arriscam propostas audazes, os empresários pouco arriscam e sempre que podem tentam colar-se ao Estado, os trabalhadores preferem a segurança bafienta a qualquer risco, por menor que seja, nos relacionamentos os casais optam pelo mais fácil, ou uma relação de aparências ou separações à mínima altercação, mas em qualquer dos casos entram sempre a medo e estão longe de se empenharem.

É preciso recuar muito para ver coragem a sério nos portugueses. A demanda dos descobrimentos foi um avanço civilizacional, onde se trocaram as conquistas e os saques pela descoberta e o comércio. Dos muitos que partiam nos navios, quase nenhuns conseguiam voltar com vida, mas ainda assim não faltavam voluntários para embarcar. Mas isto pode-se considerar uma excepção.

Acontece que agora a coragem parece que deixou de ser uma opção. Os fortes tornaram-se fracos e os fracos meros alienados. As elites são meros aglomerados de oportunistas sem mérito e em nenhum lado se vêm bons exemplos. Primeiros-ministros saem a meio dos mandatos por não aguentarem a pressão, outros políticos não se atrevem a dizer o que pensam com medo das reacções e os extremistas limitam-se a capitalizar a cobardia. Radicais islâmicos lançam fatwas contra uns rabiscos inofensivos e personalidades com responsabilidades propõem logo uma limitação na liberdade de expressão.

À falta de verdadeiros exemplos, a própria ideia de coragem vaie-se relativizando. Ou confunde-se coragem com inconsciência ou avaliam-se actos banais como corajosos só por não serem cobardes, como se fossem coisas opostas. Mas a coragem tem que ser algo que transborde o próprio ser, algo que alie a inteligência à temeridade. Coragem de entrar no túnel sabendo que será impossível voltar para trás e sem ter a certeza de haver uma saída no outro lado. Coragem para se entregar à verdade, ao amor, à ética sem medo do sofrimento. Coragem de pensar, decidir e agir. Coragem de perceber que podemos estar completamente errados e é necessário de começar tudo do zero. Coragem de parar quando nos apetece estar inquietos. Coragem de ponderar se ainda estamos vivos.