terça-feira, maio 22, 2007

Civilização e religião (4)

A IMPORTÂNCIA DA CULTURA – 2ª PARTE


Tenha-se em atenção o seguinte excerto, de autoria de Gayatri Chakravarty Spivak:

The rememoration of the “present” as space is the possibility of the utopian imperative of no-(particular)-place, the metropolitan Project that can supplement the post-colonial attempt at the impossible cathexis of place-bound history as the lost time of the spectator.

Aqueles que possuem um domínio modesto da língua inglesa não devem ficar frustrados por terem tido dificuldades em perceber o que acima se transcreveu. A frase é objectivamente incompreensível. Depois de Alan Sokal e Jean Bricmont terem escrito “Intellectual Impostures” deixou de haver receio de rir deste tipo de elucubrações sem sentido. Estes autores, de simpatias socialistas, acreditam que a melhor forma de transmitir as suas convicções esquerdistas acontece através da via racional e objectiva. Mas quando se adopta este caminho e se encontra um adversário com um mínimo de talento, as ideias socialistas acabam por ser desmontadas com relativa facilidade.

A utilização da linguagem obscura e pretensiosa (“Gobbledygook”) é uma forma muito mais eficaz de transmitir e proteger as crenças de esquerda. Apesar de parecer um contra-senso, verifica-se no mundo intelectual uma espécie de Lei de Gresham (a má moeda expulsa a boa moeda). A sobrevivência e propagação deste tipo de teorias que a modernidade nos trouxe depende de uma concepção que torna o seu escrutínio impossível ou muito difícil de realizar. A refutação de uma teoria torna-se indesejável quando ela está impregnada de uma postura política largamente aceite. Contudo, a própria refutação torna-se impossível quando essa teoria cria à sua volta uma muralha inexpugnável de “nonsense”.

Vejamos com mais atenção o exemplo acima citado. É preciso assumir um contexto em que tantos os autores das modernas teorias literárias como os seus potenciais leitores acreditam que a cultura ocidental é pesado fardo cuja remoção é essencial fazer. A teoria exprime isso através de pistas, no exemplo em questão as referências ao imperativo utópico, a um projecto metropolitano, a uma tentativa pós-colonial. Por outro lado, a linguagem utiliza uma série de estratagemas, como a invenção de palavras (“rememoration”), importação indevida de tecnicismos (“cathexis”), citações inexplicáveis (“present”), parênteses inesperados (“no-(particular)-one”) e referências a abstracções como espaço e tempo que neutralizam o processo normal de raciocínio. Tratam-se de teorias teológicas e não científicas porque não estabelecem nenhuma ideia concreta, antes, assumem-na e protegem-na contra o escrutínio da razão.