A resolução dos problemas do mundo
Mote:
If a tree falls and the media aren’t there, has it really fallen?
Daniel Chandler
Era extremamente fácil enquadrar o trabalho jornalístico num post dedicado aos Profissionais do Ódio. Por isso, não o fiz.
Para os que têm memória de elefante, certamente que ainda se lembram vagamente dos acontecimentos que nos últimos tempos mais tinta fizeram correr nos jornais e que mais minutos ocuparam nas televisões. Para não ir muito atrás, temos umas torres que caíram em Nova York (esta é difícil esquecer porque regularmente no-la recordam umas piadas de bom gosto que circulam pela Internet), a guerra no Afeganistão, depois as lutas geopolíticas sem vencedores e a guerra no Iraque, cá por perto o Prestige que manchou terrivelmente as costa da Galiza e o oceano, novamente o Iraque, novamente por cá ardeu uma parte considerável do país, uns ministros demitiram-se, e também como pano de fundo o pseudo-escândalo da Casa Pia, que vai e vêm. Como última notícia, a captura de Saddam Hussein.
Estas notícias apresentam-se como sóis, que fazem esquecer todas as outras e umas às outras. Nada mais parece ter importância, mesmo que saibamos que é relevante, mas não nos estimula falar. Vê-se isto em TVs, jornais e em muitos blogs. Com isto, me interrogo se os grandes problemas do mundo estarão resolvidos, como a Sida em África, a poluição, desflorestação e extinção de espécies, a fome, a sobre população, os regimes brutais que subjugam ainda muitos países, etc. Talvez não estejam, mas que importância tem isso?
Vivemos numa cultura em que a sociedade só aceita a existência de um problema se ele for falado em grande escala, o que implica que tenha que ter grande repercussão nos media. Como tal, a morte de 1 milhão de pessoas no Ruanda em apenas 100 dias não foi problemática, porque quase não se falou do assunto, que agora está completamente esquecido. Qualquer escândalo de uma vedeta isenta de talento ganha maior relevância. Mas a lógica das coisas não nos permite acusar só a comunicação social, porque ninguém quer ver as primeiras páginas ou a abertura dos telejornais com questões passadas. Queremos a novidade, algo que não sabemos ainda, o inesperado – é humano. Mas a nossa humanidade faz com que 1 morto de hoje tenha mais importância que 10 de ontem, 100 da semana passada ou 1 milhão de há 50 anos atrás.
Esta hierarquia do que é importante daria que pensar, se para aí estivéssemos virados. Central é o papel da comunicação social. Mas não basta apenas pensar no poder de influência dos media, que não sofre qualquer controle, nem da veracidade das noticias ou do ocultação de outras. Há que ir mais atrás, às bases, questionar para que serve e averiguar das suas limitações e perigos. Não tenho respostas definitivas para isso, mas há alguns pontos que são importantes pensar. Actualmente, a dominância da informação, a sua extrema simplificação, acaba por ser o maior inimigo do conhecimento, que exige outro rigor, paciência e inteligência. O próprio conhecimento acaba com frequência por se tornar numa mera masturbação intelectual, que inibe qualquer florescimento de sabedoria. A pirâmide de informação, conhecimento e sabedoria encontra-se invertida. A base já não é a sabedoria, mas sim a informação. Sendo assim, porque não dar alguma sabedoria à informação?
Se ter uma imprensa livre é um bem essencial, os seus principais intervenientes deveriam assumir responsabilidades especiais. O jornalista devia voltar à humildade, saber relativizar, lembrar o público do passado, comparar, fazer história. Não é fácil, mas quem tem valor e inteligência consegue sempre cativar, sem usar expedientes baixos. A alternativa actual consiste em tratar o público como uma audiência de mentecaptos.
Mas que digo eu? Ainda não aprendi que os grandes problemas do mundo só se resolvem se não os enfrentarmos?
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