segunda-feira, outubro 25, 2004

Evegeny Kissin na Gulbenkian

Devemos comentar um evento musical/social quando não temos capacidades para fazer nenhuma das duas coisas? Não sei, mas é o que vou fazer. Evegeny Kissin é um ainda jovem pianista russo, talvez o que actualmente mais entusiasme o público conhecedor. Na passada quinta-feira foi acompanhado pela orquestra Gulbenkian na interpretação dos 3 primeiros concertos para piano e orquestra de Beethoven.

Mas não nos iludamos, os concertos de Beethoven não servem para fazer brilhar o solista, acima de tudo, o espectro de Beethoven nunca deixa de lá estar. Compostos no chamado segundo período do compositor, na plenitude das suas capacidades, revelam que Beethoven foi provavelmente o mais atormentado dos génios. Surgem imagens de belas paisagens campestres em harmonia, que num repente são rompidas pela mais negra tempestade. Interpretar Beethoven pode não fazer o solista brilhar como acontece com outros compositores, mas necessita sem dúvida de um intérprete brilhante (neste caso o pianista e o maestro).

Não tenho eu conhecimento suficiente para interpretar dos méritos da interpretação, nos pormenores mais refinados. Mas posso falar um pouco das sensações vivenciadas. Ao fim de alguns segundos, com a abertura do primeiro concerto pela orquestra, dei por mim numa imobilidade total, como se o mínimo gesto meu causasse um perturbação tremenda. Não hesito em dizer que foi uma experiência quase religiosa. As palmas no final do terceiro andamento desconcentraram-me e juntando isso ao dia de trabalho antecedente, a minha atenção para o segundo concerto foi menor, mas ainda assim de bom nível. O certo é que no intervalo pensava eu que tinha passado cerca de uma hora quando já tinha passado hora e meia. Um erro de 50% quando costumo ter muito boa percepção da passagem do tempo significa que algo de especial se passou que me levou a estar alheado de coisas menores. Mas o intervalo foi regenerador e no regresso para o terceiro concerto voltei àquela experiência quase mística. Notei também que o terceiro concerto já tinha um cariz diferenciador dos restantes, em que as lutas entre o piano e orquestra eram menores.

Mas tratou-se também de um acontecimento social. Não que estivessem lá os media cor de rosa, mas certamente lá estavam as pessoas de “dinheiro” da região de Lisboa. Público aparentemente já conhecedor, onde ninguém se atreve a bater palmas no intervalo entre andamentos, substituídos pela torrente de tossidelas contidas durante minutos (o que revela alguma falta de descontração/atenção). Constou-me que alguns parolos fizeram fila para apertar a mão a Marcelo Rebelo de Sousa. Será que estas pessoas iriam ver concertos se fosse apenas pela música?

Fiquei desolado por não ter podido assistir à segunda parte, para completar a integral dos concertos, no sábado, mas os bilhetes já estavam esgotados. Seja como for, tenho de passar a ir a mais acontecimentos musicais do género.