Ignorância militante
Quase todos nós fazemos afirmações de presumível humildade. Sabemos pouco, isso é para os especialistas, nunca ouvi falar, é interessante mas não domino, pergunta a outro que eu sou uma nulidade... Contudo, esta aparente humildade contrasta com as frequentes e peremptórias observações que, depois, se vão fazendo sobre o assunto “ignorado”.
É um fenómeno estranho, que acontece a quase todos nós. Estamos cheios de opiniões sobre os mais diversos assuntos. Se em termos “públicos” o direito de cada um exprimir a sua opinião é um dos princípios (em relação à liberdade) mais básicos, em termos pessoais a expressão de opinião é frequentemente sinal de aprisionamento. Não é preciso recorrer à observação de pessoas com ideologias mais marcadas para reconhecer isto.
Os preconceitos são frequentemente reactivos. Por exemplo, se perguntarem a um português típico (isso existe?) qual deve ser o papel do estado, ele terá pouco para dizer, até porque ignora qual é o papel que actualmente tem. No entanto, se lhe falam que estão previstas alterações do funcionamento do estado, aí o nosso homem irá se insurgir fortemente contra elas, gritaqndo abundantes argumentos que anteriormente não lhes vislumbramos. Chamo a isto de Ignorância Militante (IM).
A IM é talvez das características que mais reconhecemos nos outros mas menos vemos em nós. A IM passa muito por bloquear qualquer tentativa de conhecimento e ficar agarrado a preconceitos que nos deram algum prazer no passado. Com o passar dos anos torna-se numa segunda natureza, que fica imune a qualquer tentativa de lógica. Mas a IM pode ter variantes bastante requintadas, nomeadamente na utilização misturada de argumentos objectivos e subjectivos (quando a lógica não funciona atacam-se as intenções).
Mas a IM não é apenas uma falta de ética com nós mesmos. Ela é bastante reforçada quando várias pessoas revelam a mesma IM em conjunto. Facilmente se transforma uma mentira em verdade, porque a irresponsabilidade partilhada nunca tirou o sono a ninguém. Rejeitar a IM pode ser mais duro do que parece. Primeiro que tudo pode ser difícil de reconhecê-la, porque já é tão natural em nós. Depois, rejeitar a IM pode significar ser rejeitado pelos “amigos”.
Certas pessoas que hoje se reconhecem como “estando à frente do seu tempo”, talvez tenham sido mal julgadas. Assume-se que teriam elas algo de especial que as distinguiam dos restantes, uma maior clarividência, um intelecto superior. Mas será assim? Não seriam essas pessoas tão capazes como muitos eram, mas que tiveram coragem de seguir um caminho solitário, enquanto outros se acobardaram nos seus preconceitos? Valoriza-se muito o talento (e às vezes o oposto), mas coragem e trabalho podem ser a chave para a diferença.
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