Os duros
É raro os acontecimentos da vida saírem-nos de feição. Nos melhores momentos, há sempre um pequeno pormenor que parece estragar a perfeição. Mas quando as coisas correm mal, também não costuma ocorrer o sentimento de catástrofe que faz com que tudo seja repensado. Por isso, às vezes é bom ter a noção que se cometem tremendas injustiças, que a opinião pública em geral tem uma opinião (sobre as mais variadas matérias) completamente equivocada e que indirectamente provoca a miséria e morte a muitas pessoas.
Acontece que uma das formas de nos “livramos das injustiças” é encontrar os culpados e começar a acreditar que existe uma solução milagrosa, como o fazem algumas ideologias. É juntar mais lenha à fogueira e passamos também a ser parte e causa do problema. O que é bom nisto tudo é que podemos finalmente chegar à conclusão que pouco há a fazer, que nunca a nossa acção será preponderante e que catástrofe alguma conseguiremos evitar, quanto muito poderemos fazer algo para a apressar. Mas isto é bom porquê? Porque podemos assim tomar a decisão de deixarmos as pretensões exteriores e passar às interiores.
Isso não significa abandonar o mundo e procurar uma ermida para nos purificarmos. Significa apenas que devemos deixar o caminho da imposição, da ocultação, da mentira a nós mesmos. Respeitar finalmente a liberdade dos outros, mesmo que nos custe. Dar importância às acções mais básicas, aos gestos, aos sons, às cores, sabores. No fundo, é termos consciência que nenhum de nós é diferente do drogado em recuperação, que terá de aprender a viver um dia de cada vez. Consciência que a dura caminhada será mais fácil se formos ainda mais duros que ela.
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