sexta-feira, outubro 03, 2003

A Crítica como sinal de ausência do Sentido Crítico


As recentes notícias sobre o uso abusivo do helicóptero em Lamego e do alegado favorecimento da filha de um ministro por outro na entrada em Medicina, são bem exemplo da mentalidade portuguesa. Estes casos devem ser esclarecidos e as responsabilidades assumidas. Mas daí a tornarem-se escândalos nacionais, que fazem esquecer tudo o resto, onde são sempre exigidas demissões e mais demissões, parece-me de um ridículo atroz.

Porque ao dar uma importância excessiva a estes casos, isso passa a ser um atestado de esquecimento face aos problemas realmente graves. A desculpa é sempre a defesa da ética e dos valores. Mas que importância têm umas viagens de helicóptero face à corrupção de uma câmara que leva a uma desastrosa organização do território, influenciando a vida de milhares de pessoas que têm que viver em lugar feios, sem espaços verdes e de lazer, sem creches, com deficientes acessos? Que importância tem um favorecimento pontual face aos crimes contra o ambiente, os animais, as crianças ou idosos? Estas comparações são ridículas e nem deviam ser feitas, mas a partir do momento em que assisto a uma condenação pública igual para casos tão díspares, ela passa a ter sentido.

Os portugueses não são realmente exigentes com os políticos, começando por serem pouco exigentes consigo próprios. Isto, aliado a uma falta total de sentido crítico, dará resultados explosivos, ou pior, poderá não dar quaisquer resultados. Não me interessa muito agora explicar se isto se deve a debilidades emocionais, ou a 50 anos de salazarismo, ou à inquisição. Já é mais que tempo de abrir os olhos e ter coragem para mudar. E isto é para todos, porque vejo nas classes mais favorecidas e com mais instrução a mesma flacidez de espírito, mas expresso de forma mais polida.

Alguns comentadores mais lúcidos já alertaram para os perigos da falta de sentido critico dos portugueses em relação aos políticos, sempre com os velhos clichés de que os políticos são todos iguais e são estão na política para se favorecerem a si e aos amigos. Com isto esquecessem que há muitos políticos que são honestos e competentes e que ao entraram na política abdicam de avultados ordenados em empresas privadas, para passarem a ganhar apenas uma fracção disso. Mas durante quanto mais tempo irão estar estas pessoas disponíveis para a vida política, sabendo que terão insultos permanentes?

Mas quando estas pessoas capazes saírem, os lugares estarão imediatamente ocupados. Os candidatos naturais são os membros das juventudes partidárias, habituados a jogos políticos fúteis, sem sentido crítico e com total desconhecimento da vida real e naturalmente incompetentes, mas mestres da ilusão e da eloquência.

É isto que irá acontecer se os portugueses não abandonarem a crítica fútil e se esforçarem por ter um real sentido crítico, tentando sempre discernir as diferenças entre o essencial e o acessório, e saberem quando têm de ser firmes. Precisamos todos de uma nova educação emocional.