segunda-feira, janeiro 05, 2004

Ano novo, nada de novo


Há que começar 2004 a falar mal de algo de forma vigorosa. Assim, de repente, estou com vontade de ser um desmancha prazeres e deitar abaixo as comemorações da passagem de ano. Pensando melhor, não é sobre os festejos de que falarei mas do significado conferido à data.

Foi preciso ter começado a trabalhar para perceber o verdadeiro significado da quadra festiva Natal – Ano Novo. Não é o Natal que importa, com os seus significados possíveis ou mesmo ausência deles, nem a saudação do novo ano, das novas esperanças. Tudo isto são pretextos para estar duas semanas sem trabalhar.

Qual é o significado especial do Ano Novo? No hemisfério norte é uma época fria, muitas vezes de mau tempo. Em termos cósmicos, poderia ter algum sentido comemorar no dia 21 de Dezembro, por ser o dia mais pequeno do ano em termos de luz solar, mas ninguém atira foguetes por coisas pequenas. Por outro lado, 31 de Dezembro não é o fim de ano de quase nada. É certo que é quando acaba o ano contabilistico, mas não acaba o ano lectivo, nem o judicial, nem é quando a esmagadora maioria das pessoas tira férias prolongadas. Além disso, o novo ano acontece já em pleno inverno, não é a transição para coisa alguma.

Mas se a passagem de ano não tem nenhum sentido especial, mero fruto da aritmética, que mal há em lhe dar um e comemorar isso? No fundo é isso que acontece. Comemoramos coisas sem sentido, mas achamos que é tonto estar alegre sem um motivo especial, e por isso arranjamos uns significados meio disparatados. Parece que estar alegre é um crime. Na Roma antiga havia mais dias de festa do que de trabalho. Era isso que queríamos. Somos um bando de preguiçosos, mas não o admitimos. Não gostamos de trabalhar mas achamos que é dar parte fraca admitir isso.

Uma vez disse numa entrevista de emprego que a satisfação no trabalho estava directamente ligada à qualidade do trabalho que realizamos. Será que é verdade? Hoje em dia penso em outra coisa. Importante é ter uma vida para lá do trabalho – e quase ninguém tem. O trabalho é para muitos crime e castigo. É crime porque se trabalha mal, de forma defeituosa, com pouca seriedade. Mas há o sentimento de culpa e vem o castigo auto-inflingido, que muitas vezes passa por ficar 9, 10 e mais horas no local de trabalho, para fazer algo que se podia fazer perfeitamente em 7 horas ou menos. Claro que em muitos locais as pessoas passam muito tempo no trabalho para dizerem que trabalham muito, pobres coitados. Estas pessoas precisam de fogo de artifício e muito álcool, sem dúvida.

Os noticiários mostraram as comemorações do novo ano um pouco por toda a parte. Talvez tenha sido impressão minha, mas as dos portugueses foram diferentes. Era raro encontrar um português que não estivesse alcoolizado. Talvez seja fruto do critério dos jornalistas, que preferiram ir mostrar uns quantos bêbados a balbuciarem expressões sem nexo. Longe de mim ser purista e querer condenar alguém por beber demais uma vez por ano (também bebi...), mas neste contexto internacional, a sensação que fiquei é que os outros comemoraram e nós bebemos para esquecer.

Uns dias depois da passagem de ano rapidamente se esquecem as amarguras de 2003. Mais rapidamente se esquecem os prognósticos para 2004, os grandes planos de mudança, o experimentar ir por outros caminhos, as promessas feitas com o copo de champanhe (espumante barato) na mão. Ainda assim fica a esperança de 2004 ser melhor que 2003...