Marcel Marceau no CCB
A pantomina pode ser uma coisa estranha. O mimo, silencioso e de cara pintada de branco, é muitas vezes uma figura que causa fascínio mas também repulsa e medo a algumas crianças. Alguns acham uma coisa sem sentido, e estúpido não se poder falar. Marcel Marceau, O Mimo, faz-nos esquecer todas estas questões desde o primeiro momento em que entra em palco. Actuou no CCB no dia 27 de Dezembro de 2003. Com quase 81 anos e mais de 55 de carreira, é ainda o maior mimo vivo e sem qualquer rival à altura. Só, no palco e sem cenário, actuou em silêncio utilizando apenas o movimento do corpo e a sua expressão facial. Numa actuação a solo como mais de duas horas, divididas em duas partes, apresenta uma invejável forma física. Poderá já não ter a elasticidade de movimentos de pernas de outros tempos mas tem aquela coisa especial e misteriosa que mais ninguém tem.
O primeiro quadro é sobre a criação do mundo, e as suas mãos movendo-se de forma que quase nos hipnotiza, delineiam várias criaturas nas fases da evolução. Prossegue com diversos quadros em que interpreta as mais diversas personagens, como no jardim público, em que vemos o tipo que passeia o cão, os velhos no banco do jardim. Mas não só, conta também estórias, como um julgamento no tribunal, em que interpreta as principais personagens. Também delineia espaços, e apenas com alguns gestos imaginamos estar frente a um imenso campo aberto, numa apertada sala, numa gaiola ou ainda num navio em mar revolto. Tudo com uma naturalidade impressionante, que nos faz ver o que não está lá como se estivesse mesmo. Tudo também com um humor subtil e cativante.
Talvez o momento alto da primeira parte tivesse sido o quadro mais curto. De frente para o público, vai simulando um andar sem sair do mesmo local, em que interpreta as várias fases do homem, desde a infância até à morte, apenas mudando a expressão do rosto e o modo de andar, com a curvatura das costas alterar-se e outros pequenos detalhes. É um quadro impressionante, que levou uma vez um crítico a escrever que, na naqueles 2 minutos, Marcel Marceau exprime mais coisas que muitos romancistas em vários volumes de escrita.
A segunda parte do espectáculo é composta por vários quadros em que Macel Marceau interpreta sua personagem Bip. Tratam-se de quadros essencialmente humorísticos, que nos descontraem e fazem rir. O espectáculo termina com o famoso quadro do construtor de máscaras, em que várias máscaras invisíveis são colocadas, e o que na realidade muda é a expressão facial. Trata-se de o quadro especial para terminar, que tem de tudo, técnica, virtuosismo, requinte, cultura, humor e termina de forma surpreendente – mas só quem lá esteve pode saber como foi, estas palavras nada mostram.
Não vi na audiência nenhuma das nossas figuras conhecidas. Deveriam estar ali artistas em geral para aprender alguma coisa com o Mestre, especialmente actores e outros que actuem em palco. Como fui à sessão da tarde, poderia ter sido diferente na sessão da noite. Mas é estranho, não ter visto ali artistas, intelectuais, as gentes bens falantes que inundam as nossas televisões para ver um dos maiores artistas do nosso tempo. No entanto, o CCB estava cheio. Definitivamente, as pessoas cultas deste país não são as mais conhecidas.
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