segunda-feira, fevereiro 02, 2004

Viagem


Estava algures em Andrómeda, quando numa noite olhei pelo telescópio e vi a galáxia vizinha. Lá estava a Via láctea, cósmicamente próxima, a 2 milhões de anos-luz de distância. Via o centro muito luminoso pela concentração de estrelas, um mar de radiação sem vida. Mas num dos seus braços espiralados havia um sistema estelar com segredos por desvendar.

Sem me dar conta, já estava na Via Láctea e decidi percorrer um dos seus braços. Já perto do fim, encontrei um sistema solar que me impressionou. Tudo se movia incompreensivelmente, mas tomando a estrela, o sol, como referência – no centro e imóvel – a ordem e a harmonia revelaram-se.

Entrei. Plutão recebeu-me friamente e não parei. Rapidamente deixei para trás Neptuno e Urano fascinado pelos anéis de Saturno. Mas quando lá cheguei, foi a sua lua Titã que me fez deter por uns instantes. Porque algo maior chamava por mim. Júpiter gasoso era uma atracção muito forte a que não resisti, mas já perto percebi que me iria prender para sempre e por isso fugi.

Marte apareceu, vermelho e belo, mas faltava-lhe algo. Espreitei para ver se ainda havia mais planetas. Havia mais três. Próximos do sol, Vénus e Mercúrio eram quentes demais, restava a Terra, para onde me dirigi.

Detive-me na sua órbita e admirei a sua roupagem de nuvens, cobrindo-a e descobrindo-a de forma provocante. Havia muito azul, algum dourado, castanho, verde, branco nos pólos. Resolvi aproximar-me, sem chegar a pousar. Vi florestas, rios, cidades, montanhas e vales, planícies, desertos, parei numa imensidão gelada, branca, bela e agreste, voltando para trás.

Numa cidade detive-me. Tudo se movia sem rumo aparente. Ruas sem fim, labirintos de pedra, cheguei a um jardim. Crianças brincavam, velhos falavam, os restantes passavam.

Conheci muitos deles. Chamavam-me amigo, colega, companheiro. Por vezes juntávamo-nos, comíamos, bebíamos, falávamos e riamos.

Alguém mais doce encontrei. Olhou-me nos olhos; olhei-a com outros olhos. Disse-lhe coisas ao ouvido, sorriu-me e abraçou-me. Pequei-lhe na mão e pedi para vir.

Estávamos sós. Olhei-a à distância, falei-lhe de amor. Cheguei-me mais perto, beijámos as bocas. Despimos as roupas. Beijei-lhe o corpo quente que mais quente ficou. Ficámos mais perto, mais juntos, mais indiferenciados.

Dei por mim em local agradável. Só, em silêncio e sereno. Percebi que respirava, mas que cada expiração era diferente de todas as outras e irrepetível. Senti-me mais vivo, com uma calma que não sabia existir. Assim quis permanecer, mas foi impossível. Pensamentos caóticos, desejos, medos, visões, tudo me inundou a cabeça. Percebi que precisava de os domar. Sentei-me direito, respirei calmamente. A viagem começou!