Um mundo em mudança (9)
PARA BOM ENTENDEDOR
Os ditos populares caíram em desuso. Uma das razões óbvias é a falta de causas populares, que é como quem diz, deixaram de existir causas universais. E a vida moderna já não se compadece com uma série de receitas politicamente correctas, do género “Deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer” ou “Grão a grão enche a galinha o papo” ou ainda “O sol quando nasce é para todos”. Contudo, há uma destas expressões que me parece sintomática de alteração de comportamentos a outro nível: “Para bom entendedor meia palavra basta.”
Falar por meias palavras hoje em dia, sendo compreendido, só será possível dentro de um grupo bastante homogéneo de pessoas, que têm rotinas semelhantes, incluindo processos mentais bem treinados. Nesses casos, a meia palavra imediatamente faz soar uma campainha que nos conduz ao sítio certo. Contudo, numa conversa normal isso deixou de ser possível.
As razões disso acontecer são várias e já aqui as referi várias vezes. Já não seguimos todos as mesmas referências culturais, nem temos hábitos tão semelhantes nem sequer a partilha de interesses é alargada. Aumenta o individualismo, a arrogância, mas também se quebra um pouco o “efeito do rebanho”, tal como a hipocrisia. Perde-se também a subtileza, que era antes uma forma eficaz de distinguir os níveis culturais e, sobretudo, a sensibilidade das pessoas. Há aqui resultados paradoxais porque se estamos cada vez mais individualistas e percorrendo caminhos mais isolados, também em outros aspectos estamos mais indiferenciáveis.
Claro que não há paradoxo algum. Tornou-se apenas difícil rotular os outros, o que não os torna todos iguais. As pessoas que antes eram boas ou más, amigas ou hostis, agora são uma névoa perpétua, que nos surpreende continuamente pela positiva e pela negativa. Contudo, esta tendência individualista e solitária não será propriamente negativa. Para termos um olhar mais positivo, teremos que relativizar. A nostalgia faz-nos pintar o passado de cores mais brilhantes e olvidar os podres que nos corroíam. A subtileza que antes era bem mais fácil não era propriamente sinónimo de maior discernimento mental. Simplesmente era um mundo mais fácil, restrito, em cada um sabia bem o seu lugar e o futuro não tinha grandes novidade, assim como as questões fundamentais já estavam estabelecidas. Fazendo uma metáfora, o cego que se encontra numa casa com duas assoalhadas conseguirá orientar-se muito melhor que outro que está num palacete com divisões sem fim. E o individualismo, que tão facilmente criticamos, faz-nos esquecer que anteriormente os movimentos de grupo eram mais fortes porque as mentalidades eram mais tacanhas e os horizontes mais curtos.
Apesar de comunicar ser mais fácil que nunca, as dificuldades em nos fazermos entender também aumentaram na mesma proporção.
(Cont.)
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