Um mundo em mudança (7)
AS CAIXAS QUE MUDARAM O MUNDO
São incontáveis as vezes que ouvi a expressão “a caixa que mudou o mundo”, que sempre me deixou meio incomodado, sem saber bem porquê. Contam os mais velhos que as estrelas de cinema actuais nada têm a ver com as do passado. O cinema perdeu o seu glamour quando quebrou-se o seu monopólio de “sedução” para as grandes massas. Apesar dos orçamentos por filme terem aumentado continuamente, os meios técnicos à disposição serem incomparavelmente superiores, tal não serviu para manter o poder de fascínio do passado. A culpa é da concorrência, e a que deu mais luta e ganhou a batalha foi a movida pela televisão.
A televisão tentou criar as suas estrelas, e de certa forma conseguiu-o enquanto as estações eram poucas. Com a multiplicação de canais, e o aparecimento do cabo, a pulverização dos públicos deu origem a uma batalha pelas audiências, em que se luta momento a momento pelo share de um determinado programa. Assumia-se que, para o melhor e para o pior, a televisão tinha chegado para ficar e mudar os hábitos das pessoas para sempre. A TV poderia mostrar em qualquer aldeia isolada lugares nunca vistos, imagens da Lua, provocações sexuais, hábitos diferentes. A televisão teve mais recentemente a sua imagem amaldiçoada, acusada de provocar a violência e quase todos os males da sociedade.
A grande ilusão da televisão foi a de nos ter convencido que nos dava algo realmente novo. Isto porque um aspecto do fenómeno nunca foi posto em causa, que é o de quem fornece os conteúdos. Neste aspecto, a TV manteve a mesma tradição dos livros, cinema, teatro, ópera e outras manifestações culturais, em que os espectadores eram essencialmente passivos (no máximo, atentos). Independentemente da qualidade dos programas, o conteúdo da programação é algo que o espectador tem de aceitar. Nos últimos anos, o peso dos espectadores aumentou consideravelmente, com a programação bastante influenciada pelas audiências e com o aparecimento de programas baseados em pessoas comuns. Revoltaram-se os arautos da desgraça, anunciando que se tratava de mais uma machadada nos valores e na dignidade da pessoa.
Mais uma vez, foi a ilusão de que haveria algo de fundamentalmente novo. Contudo, o espectador individual ainda “tem” de ver aquilo que lhe dita a maioria, continua a ser essencialmente passivo. Enquanto isso, milhões de conteúdos iam florescendo e sendo colocados numa extensa rede de computadores mundial, da qual a internet é a mais significativa em termos de peso. Pela primeira vez, qualquer pessoa pode ser um fornecedor de conteúdos para qualquer outra pessoa, em qualquer parte do mundo. Tal deu origem a uma comunidade de desconhecidos caótica, sem margens definidas, que necessitou algum tempo de habituação até surgirem novos padrões reconhecíveis.
A internet mostrou-se como uma forma eficiente de comunicação, de divulgação de conhecimento, informação e, mais recentemente, também de comércio. Mas a grande mudança penso que se tratou de tornar obsoleta a prática de existirem elites que podiam manipular o qu era dado a todos os outros. É um processo que agora se inicia e que ninguém saberá que desenvolvimentos poderá dar. Daqui a alguns anos, a maioria das pessoa, já habituadas a uma maior liberdade, poder de intervenção e mudanças contínuas, achará enfadonhos os conteúdos televisivos que primam pelas receitas estereotipadas, sem grande possibilidades de interactividade. O futuro da televisão, bem como de outros meios, só será possível quando existir uma integração plena com a internet, em que cada um define a sua programação e poderá fazer parte dela.
Tal faz-se com mudanças pequenas, que vistas isoladas parecem nada querer dizer, algumas até em sentido contrário. Talvez isto seja a morte dos grandes espectáculos e dos produtos de massas. Penso que os artistas talentosos irão persistir, já não estrelas milionárias, adoradas por ignorantes iludidos. Terão públicos diferentes, mais selectos, quem sabe mecenas de várias partes do mundo que nunca conheceram pessoalmente. A quebra dos monopólios é uma das consequências da liberdade (apesar de não ser uma obrigação). Não tenhamos medo disso.
(Cont.)
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